Antiguidade é posto
14/03/2019
A primeira vez em que pisei no IACS (Instituto de Artes e Comunicação Social – UFF) era o segundo semestre de 1982. Eu era aspirante a cantora, quase bailarina, entrando na faculdade de Comunicação porque gostava de escrever.
O IACS parecia um velho colégio, a quadra de esportes na frente do casarão descascado, gente jogando bola. O revestimento do teto da casa estava meio vazado, aqui e ali, com a fiação cansada semi-exposta. Quando chovia muito, a luz faltava e íamos pra casa. Se chovia à tarde, nem íamos. Inútil atravessar a baía pra bater o pique na Lara Vilella e voltar. As tábuas do piso rangiam, cedendo com o peso dos passos. Uma aventura quase arqueológica. A cantina ficava na casinha da frente, e a gente esperava a fornada sair pra comer sorrisos. O professor Serra, e seu cachimbo, já reinavam no departamento de Comunicação.
Eu gostava de escrever, mas atravessar a Baía todos os dias me enfraqueceu o propósito e me afrouxou o desejo. Eu dançava de dia e cantava na noite, e a faculdade foi perdendo o charme. Fui parando, parei. Sem trancar. Certa de que jamais voltaria ao assunto, com tanta estrada musical ainda a percorrer.
Virei cantora profissional, aposentei a sapatilha e continuei escrevendo. Textos de divulgação pra mim e pros amigos, revisão, tradução. Por isso, 13 anos depois de ter largado a faculdade pra lá, dura feito um coco, temendo não ter como sustentar a carreira de cantora, decidi voltar pra faculdade pra cursar Jornalismo e ativar um plano B, no qual Clark Kent sustentaria a carreira caríssima do Super Homem.
Entrei em contato com a faculdade:
– Quero voltar pro curso que abandonei.
– Você pode prestar vestibular e aproveitar as matérias cursadas
– Sem vestibular, eu disse, eu já passei no vestibular, não preciso passar de novo.
– Ué, mas isso não existe, o prazo expirou. Só se você entrar com recurso.
– Então quero entrar com recurso.
– Escreve uma carta pro Reitor.
Escrevi. Na data prevista recebo a resposta:
– O reitor liberou. Agora você tem que ver lá na Comunicação. Se toparem, você volta.
Quem era o diretor do departamento de Comunicação? O bom e velho professor Serra, de quem me lembrava, daquela breve passagem pelo IACS, nos anos 80.
– Quero voltar, Serra, me deixa voltar! Agora eu quero de verdade, vou até o fim, vou ser uma ótima aluna!
Quando pisei pela segunda vez no IACS, em 1996, a quadra tinha sumido e o casarão estava reformado, mas não perdera seu charme arqueológico. Eu delatava minha antiguidade pelo número de matrícula, que começava com o ano de ingresso. Minha primeira temporada ali começou em 82-2.
Em dia de votação pro DA, na fila com um colega, chego na boca da urna e digo, em voz alta, meu número de matrícula: 82-2XXXX. Meu colega dá aquele pulo: Caraaaaca, eu nasci em 82!
Me formei na turma de jornalismo de 2000, aos 36 anos. Trabalhei 12 anos na imprensa. Gravei mais de 10 CDs e um DVD. Continuo escrevendo e estou comemorando 35 anos de carreira de cantora.
Quando fui ao IACS, pela última vez, ele tinha virado praia.
*o IACS é o Instituto de Artes e Comunicação Social, da UFF – Universidade Federal Fluminense. Este texto foi uma encomenda para o aniversário do IACS. Como não tocaram mais no assunto, decidi postar aqui pra ele nao se perder. Tenho as lembranças mais queridas daquele lugar e daquelas pessoas.
vida, minha vida
12/09/2018
Feliz Natal!
24/12/2017
Amigo, aí vai uma pequena playlist de Christmas jazz, cantada por mim, para vc ouvir com a sua família e ter uma noite feliz! Tudo de bom pra vc!
salto triplo*
22/11/2017
*escrevi este texto inspirada no show de mesmo nome, que faço com Elisa Queirós e Cacala Carvalho, só com nossas composições.
TENHO ASAS, POSSO MUITO BEM VOAR
CRUZAR MIL CORDILHEIRAS E DEIXAR
UMA CORRENTE QUENTE ME LEVAR,
PLANAR SOBRE AS CIDADES, FLUTUAR
DAQUI DE CIMA APRECIO A VISTA E PULO
BRAÇOS ABERTOS PARA A IMENSIDÃO DE TUDO
TENHO TERRAS A CONQUISTAR,
SOU UMA AMAZONA CAVALGANDO EM PELO,
DONA DE UM DESERTO DISTANTE E PERIGOSO,
CHEIO DE OÁSIS PARA DESBRAVAR.
PROVOCO TERREMOTOS E ABRO FENDAS
É DO MEU EPICENTRO QUE A VIDA BROTA
TENHO SETE MARES A SINGRAR
MERGULHO EM APNÉIA,
PESCANDO PÉROLAS EM CORAIS ABISSAIS,
RAINHA DAS ÁGUAS, SENHORA DAS MARÉS,
SEREIA QUE ENCANTA MARUJOS DO AMOR,
DESÁGUO EM SETE QUEDAS, SALTOS TRIPLOS
E SOU IARA, A DONA DA CACHOEIRA
EU TENHO A CENTELHA DO FOGO E ESPALHO A BRASA
TROVEJO, RELAMPEIO E CORTO O CÉU COM MEU FACHO DE LUZ
EU SOU AQUELA QUE CONDENSA E CHOVE,
NASCI EXUBERANTE DO LÓTUS, DA LAMA DOS LODAÇAIS
FEITO UM SOL, RAIO, ME PONHO, RECOMPONHO
E CHEIA DE ALVOROÇO, ALVOREÇO E SOLO
AGRADEÇO PELA GRAÇA ALCANÇADA
DAQUI DE ONDE VEJO É TUDO PLENITUDE
TODO PODER E GLÓRIA ME PERTENCEM
CAIO DENTRO DO MUNDO
COM UM SONHO NA CABEÇA, UM SORRISO NA BOCA
E ESSA CORAGEM NA MÃO
balanço
31/12/2015
a cantora mascarada
27/11/2015
só falta vc me curtir!
o piano
21/09/2015
Tinha piano na casa dos meus dois avós. desde pequena eu me trancava na sala onde ficava o piano e mandava ver. tocava aleatoriamente, em momentos de fantasia e entrega, como se soubesse tocar. tentei estudar sozinha por um método, e poderia ter começado ali, mas nao tive incentivo. pedi pra estudar piano mas, a minha mãe, traumatizada por ter sido obrigada a se formar no conservatório, não deixou. então, dei meu jeito. peguei um violão que tinha sido da minha irmã, e venci o coitado pelo cansaço. tinha eu 14 anos de idade…
insisti, aprendi umas músicas da moda, fiquei feliz, fiz umas canções, mostrei pros amigos, entrei em festivais, ganhei e perdi e, quando vi, aquilo tinha virado a minha vida. quando fiz 16 anos, minha mãe me deu um violão de verdade. mas nunca soube tocar direito, embora tenha começado assim, tocando violão e cantando em bares, nos intervalos de outros artistas, até achar meu próprio lugar.
anos depois, já cantora e adulta, fui estudar piano e me dediquei totalmente a recuperar o tempo perdido. estudei muuuito, muito, mesmo. anos e anos praticando loucamente. hoje, o piano que tenho em casa é o que meu avô mandou vir pra minha mãe estudar nele. e, assim, fizemos as pazes com o destino do piano, com a música na família e com meu sonho. nunca toquei como gostaria de ter tocado, mas isso não importa. ser cantora é um encanto que nunca se esgota.
a medida da loucura
19/09/2015
o primeiro trabalho que fiz, como cantora, foi de vocalista de um cantor, já falecido, chamado Robson Teixeira. Ele fazia um trabalho autoral que seria incrível até hoje. Pop rock anos 80 com influencias de bandas bacanas europeias. A primeira vez que meu nome apareceu no jornal, como cantora, foi em 1983, justamente num show dele, num local chamado Beco da Pimenta, na Real Grandeza.
Esse cara foi um guru pra mim. Mais velho, gay, casado, viajado, culto, me apresentou um mundo sem mimimi, sem frescura, sem preconceitinhos, cheio de novidades incríveis, de zen budismo, de pão feito em casa, de miles davis e amigos. Éramos vizinhos, em Ipanema, e eu e os músicos vivíamos na casa dele, dia e noite, usufruindo da liberdade toda que não tínhamos nas casas dos nossos pais. A gente tinha menos de 20 anos de idade…
A banda que tocava com ele era de músicos que hoje são profissionais top de linha, todos muito jovens, Glauton Campello, Alexandre Carvalho, Kadu Menezes, Felipe Reis. E foi com eles que comecei na profissão, ensaiando no “Tijucão”, casa alugada pela galera pra usos musicais e sócio-recreativos de todos os tipos.
Tenho as melhores lembranças desse momento da minha vida, e só me lembro do meu guru dizendo: “bonita, vc precisa enlouquecer, enlouquecer muito!” Tinha toda razão! E mesmo depois de todos esses anos, querido Robson, ainda não enlouqueci o suficiente.
insulto ao comum
04/08/2015
desde muito nova, quando comecei a me deparar com as dificuldades da carreira (e o que sabia eu sobre dificuldades?), eu já achava a coisa mais feia do mundo ser músico ressentido, reclamão, gênio incompreendido. sempre achei que quem escolhe não pode reclamar do que escolheu.
tem muito músico que confunde arte com milagre e se acha melhor que os outros porque tem o dom da música. sempre fiz questão de deixar claro que não acho isso, que acho que todos temos um dom e que o mundo precisa de todos. o que seria do mundo sem pontes, sem dentistas, sem pintores de parede, sem cozinheiros? a diversidade colore o mundo, tem gosto pra tudo.
o outro lado desse engano comum vem justamente do olhar do leigo que acha o músico um deus afortunado, um ser especial a quem foi dado o direito de viver “se divertindo”, de “não trabalhar”, como se trabalho fosse, necessariamente, uma obrigação abominável, destinada somente aos reles plebeus.
a batalha na música é muito diferente do romantismo e da poesia que os leigos vêem, embora inclua romantismo e poesia. mas também inclui abandono, desespero, falta de perspectiva, falta de estímulo, solidão, falta de grana e medo. para cada estrela pop que anda de carrão e ganha milhões, existem centenas de músicos como eu, mortais, que não ganham dinheiro, nem fama, nem reconhecimento público, nunca ou quase nunca.
esperar que o mundo tenha um atenção especial para dar aos artistas me parece um engano. eu acho que a arte tem que pertencer à vida, ao cotidiano, à formação do ser humano, assim como a matemática e a geografia de cada dia. a arte deveria ter esse mesmo privilégio, mas não tem. ninguém ensina música na escola como uma possibilidade de profissão. é sempre um hobby, uma diversão. é assim, nesse viés, que começam as distorções que culminam na crença comum de que todos os músicos são vagabundos e maconheiros e que música não é trabalho. porque ela diverte quem escuta e quem faz.
talvez, nesse padrão capitalista infernal, onde as relações de trabalho servem para tornar o patrão feliz e rico e todos os outros, escravos, escolher e ter prazer no trabalho seja um insulto ao comum. mas não é possível ignorar toda a cadeia produtiva envolvida na música que o mundo inteiro consome o tempo todo. milhares de rádios, de playlists, de canais de música, de CDs, DVDs, shows, festas, bares. tem música até no elevador. e por trás disso tem gente. muita gente.
tá tudo errado nesta sociedade, isso é óbvio. quem nasceu pronto pra se adaptar ao moedor de gente que é esse modelo de relação de trabalho e consumo capitalistas? jogo a toalha, será que é porque sou artista?
tenho quase 30 anos de carreira, cinco discos lançados, e canto nos melhores lugares, com as melhores pessoas. 90% das vezes, trabalho de graça ou quase. se isso não está errado, me corrija. ou será que vou passar o resto da vida pagando pelo pecado de fazer aquilo que nasci pra fazer, que me dá prazer, sim, que me faz feliz, sim e que faz muita gente feliz, sim?
hoje, aos quase 30 anos de carreira estou, enfim, reclamando. me sinto incompreendida, abandonada, estou ressentida e com muita raiva. hoje, pela primeira vez, um post vai ao ar sem imagem. hoje não quero beleza nenhuma.
melhor não tê-los
24/07/2015
Não que eu não quisesse, não que eu quisesse. Foi a vida. Eu queria ser cantora. E ser cantora era uma estrada florida, que me levava ao infinito sem dia pra voltar, pra desbravar mundos desconhecidos, a bordo de estranhas naves. E pra isso eu tinha que estar sem bagagem. Eu queria ser cantora.
Muito nova, fui ao médico e comecei a tomar pílula. Anos e anos, sem ninguém saber. Me apaixonei, muito. Namorei namoros longos e apaixonados. Mas na hora de escolher ficar ou ir, escolhi ir. Pra cantar, desbravar algum lugar. No meu campo de visão tinha sempre um barzinho e um violão. Sempre uma roda de música, um festival, pessoas e mais pessoas. Uma aula de canto, uma apresentação, um palco, uma gig, mil coisas que eu nem sabia que existiam, tudo por fazer, sempre quis tudo.
E, também, fui quase sempre infeliz no amor: grandes encontros e histórias desacertadas. Jamais tive um homem com quem eu quisesse ter um filho. Eu, aturdida com tantos quereres de coisas e gentes e lugares e liberdade. De forma que, quando me pediram em casamento pela primeira vez, com esse sonho de família, me imaginei presa do lado de dentro duma porta de cofre de banco, blindada, protegida por um segredo inviolável, vendo o saboroso mundo passar lá longe, pelas grades da janelinha da minha cela. E assustada eu disse não.
O tempo passando, eu cantando, a ideia sempre lá, na cadeirinha de pensar do porvir. Por dentro, fiz lista de nomes, idealizei maneiras de educar, conviver, brincar. Mas toda vez em que eu pensava nas mochilas de marca, nos tênis, nos gadgets, eu desistia. Cantando não vai dar pra comprar o videogame da moda. E, pra mim, filho sempre é filho da mãe. Pai é uma hipótese que, em 70% dos casos, se apaixona por outra, quando fica meio sem espaço na casa, logo que a criança nasce, e só se interessa de novo, quando a criança começa a falar. Numa dessas, vai morar em Botucatu com a namorada nova e manda 100 pratas por mês, quando lembra. Os que ficam são raros. E tem aquilo, né? A cena em que jamais me vi: eu botando criança pra dormir e o cara tomando cerveja na Lapa. Não dá pra mim. Eu também quero tomar cerveja na Lapa.
Aí pensei que qdo eu tivesse dinheiro, ia ter filho sozinha, com um amigo gay, um vizinho, inseminação. Mas cada vez que pensava que eu nunca mais ia poder virar uma noite sem hora pra voltar, e que nunca mais ia poder dormir o dia todo ou viajar e me apaixonar por um nativo e ficar mais uns dias, eu postergava. Imaginava a vida efervescendo e eu bloqueada pela maternidade, desmulherizada, santificada e chata. Not yet.
O ponteiro do tempo, essa verdade irrefutável, apontava pro vermelho. A luz piscava. Mas já? Quando fui morar com meu namorado, autorizei meu melhor amigo a me impedir de ter filhos com ele. Quando vi que tinha ficado casada muito mais tempo do que imaginaria ficar, aos 45 do segundo tempo, pensei em ter um filho com ele. Mas a vida deu aquele olé e ele teve filho com outra. Ah, os deuses e suas ironias… Destino de filha de Nanã, disse a mãe de santo.
Sofrendo horrores, me permiti fazer as perguntas mais cruéis: ter filho por quê? Tem que ter filho? Todo mundo tem que ter filho? Adotar é uma opção? Uma mulher só é completa se tiver filho? Como vai ser ter 50 anos e me ver sem filhos? Ter 70 e não ter netos? Ficar velha sem filhos pra cuidar de mim?
O alarme disparou, me olhei no espelho: escolhe agora! Quer ou não quer? Sem fazer drama e sem adiar o drama: quer ou não quer? Quem me conhece sabe que faço o que quero, sem precisar de ninguém. Vou lá e faço. Mas não sou irresponsável. E cada vez que eu olhava minha conta bancária e, mesmo assim, reafirmava os laços com a realidade que eu escolhi viver, eu perguntava: cabe um filho nessa escolha? Eu sabia que se fosse pra bancar escola, skate e bicicleta, eu ia ter que inverter as prioridades e cantar nas horas vagas. Pra ter um filho, queria au grand complet, com tudo que tinha direito. “Então você não quer ter filho”, diziam as mães extremosas, “quem quer ter filho não pensa em nada disso e tem”. Eu pensei. E nunca consegui me ver dizendo coisas tipo “depois que a gente tem filho, a gente não escolhe mais, “nunca mais dormi, nunca mais comi”. Nunca achei a menor graça nisso.
Cheia de amor no coração, ah, um bebezinho, um filhote, um ser pra acompanhar de perto e ver crescer, pra melhorar quem sou, pra povoar o mundo de gente legal, pra me humanizar… muitas vezes chorei sozinha agarrada à dureza da passagem do tempo, vendo o meu juízo final se aproximando e pensando que não, essa eu não seguro sem grana, essa não seguro sozinha e nem vou voltar pra casa da mamãe, com um filho debaixo do braço. E, sobretudo, não vou abrir mão da minha carreira da forma que eu quero que ela seja. Não cantar nas horas vagas, mas ser realmente, integralmente, fulltime, cantora. Xeque-mate.
Você não está sendo egoísta?, me perguntaram mil vezes. Ora, egoísta é quem tem filho pra dizer que tem, pra atender à expectativa da sociedade, pra posar no porta retrato, pra ter companhia, pra ter alguém pra chamar de seu. Egoísta é quem tem filho sem ter maturidade, sem poder, à tôa, com qualquer um. Vejo um bando de pais oprimidos pelos filhos, pais surdos, autocentrados, impacientes, desinteressados. Filhos solitários, perdidos, sem afeto e escuta, sem intimidade com os pais. O mundo estaria muito melhor sem eles. “Ah, mas você fica presa e feliz!” Eu poderia realmente amar ser mãe e ter filhos, mas presa e feliz, não. Nunca ficarei presa e feliz. Eu sou cantora. Todos os sonhos do mundo eu troquei por esse. Chorei muito, mas fui corajosa e sincera nas perguntas que fiz a mim mesma, e dizia, no espelho: se você quer ter filho, tenha! Simples assim, ainda dá tempo! Pra não passar a eternidade arrependida, lamentando não ter feito a escolha quando era possível escolher. Qual o quê…
Cada vez que eu pensava em ter que acordar a criatura sonolenta, às 6h, pra botar pra escola, durante anos intermináveis, ou num adolescente deprimido intransponível ou naquele filho adulto frustrado, infeliz como a maioria, se matando pra pagar aluguel, sem orgulho da própria vida, sem eu ter nada além de amor e música pra dar, eu tinha certeza de que não, não queria ter filhos. Sacanagem jogar alguém no mundo pra viver nesta selva.
Até arrisquei, sem empenho, engravidar de um namoradinho que também queria, sem muita convicção. Não rolou. Investiguei sobre adoção e inseminação e cheguei a falar sobre isso com um amigo, um peguete e tal. Mas na hora H, não fui em frente. Até que, dores vividas e curadas, aceitei a realidade. É, não deu pra ter filho. Não que eu não quisesse. Não que eu quisesse.
Eu escolhi. E não, não vou gerar filhos. Vou amar minhas afilhadas e seus filhos, minha sobrinha e seus filhos, se tiverem. Vou amar os filhos do caminho, dos amigos, amar meus amigos e família, vou cuidar de quem a vida me pedir pra cuidar, vou ser maternal na hora que precisar. Meu coração está aberto. De vez em quando sinto uma tristezinha por não saber como é ter esse laço de amor com alguém. Mas tem muitas coisas que a gente nunca vai experimentar, mesmo. Me emociono, amo bebês, amo crianças e elas me amam. E que bom que o mundo está cheio delas! A emoção é o movimento da vida.
Tem uma coisa que eu não sabia: com o tempo, as perguntas silenciam e a gente fica em paz. A vida segue em frente. Escolher é o nosso maior poder. Mesmo cheia de conflitos humanos, eu fiz uma escolha e assino embaixo. E aquela velha estrada continua florescendo, cheia de múltiplos infinitos…
mimimi ou lua cheia de inverno
09/09/2014
quero sair pra ver a lua, mas não tenho força pra caminhar, sozinha, até ela. já caminho sozinha sem parar, faço meu trabalho de sísifo, diariamente. ciente de que não posso reclamar daquilo que escolhi. fico calada. que sentido teria escolher e reclamar? tento resistir à tentação até de me sentir, no fundinho, um pouco heroica por ser a resistência, aquela que vai tentar, com a vida, até o fim.
mas tudo melhora na presença da arte. talvez eu cante pra isso, pra me salvar, pra ter momentos de leveza e abstração. pra sair desse abismo do rigor e da gravidade, onde tudo é sério demais e necessita reflexão e concentração. Poemise-se, sempre penso, superficíe-se, repito no espelho. emerja dessa abissalidade insondável e pesada, dessas mil atmosferas que carrega sobre a cabeça. permita que os momentos passem como a água por debaixo da ponte: nunca igual, exuberante, constante, transitória, suficiente, impossível de se reter e, por isso, de raro sabor. aproveite. ria. relaxe. aceite. goze. let go.
o poder na sua mão
06/05/2013
♫ O barato do financiamento coletivo, como o que estou fazendo para levantar fundos pro lançamento do meu CD, é que a gente ganha o poder de escolher o que quer ouvir, e sai da posição passiva, de ouvir a música que escolhem pra gente ouvir. Isso é revolucionário.
Falta uma semana para o fim do nosso prazo. Conseguimos reunir 72% do total. O negócio é fácil, simples e barato. Vc compra seu CD, seu ingresso pro show, e me ajuda a fazer um lançamento bacana. Dá uma olhadinha aí no link.
obrigada ♫
lançamento do CD Jamba, de Andrea Dutra
O show de lançamento vai acontecer na Sala Baden Powell, dia 25 de maio, às 20h, copacabana, RJ.
ao infinito e além
28/04/2013
Respeitável público,
Descobri que ganhar dois minutos do dia de uma pessoa é a coisa mais difícil do mundo! Mas vcs, que já gastaram muitos minutos comigo, são diferentes. Então eu queria pedir pra vcs assistirem a esse video aqui, que demora só um cadinho mais que dois minutos:
A realidade é a seguinte: preciso de ajuda para levantar fundos pra lançar o meu CD Jamba, do qual vcs tanto já leram por aqui. O custo é altíssimo, mesmo pra fazer a mais simples das produções. Precisamos de R$!5,900. Tirando taxas e custo, sobram R$10 mil pra nós, pra pagarmos tudo o que precisamos, de equipe a material de divulgação. Juro que essa grana só dá pra saída.
Até agora, mais de 100 pessoas
O silêncio de Elis
09/09/2012
estou participando de uma espécie de congresso de música vocal, de 3 dias de duração. É um encontro internacional, com palestras e workshops o dia todo, tudo em torno dela: a voz. Dei de cara com meu passado de estudante, dos tempos da Pró-Arte. Meus colegas, que eram aspirantes, agora são eles os professores. Revi o filmezinho da minha história e me comovi. Não é que eu realmente fiz o que eu queria? não é que realmente vingou aquele desejo delirante? 25 anos depois, eu sou realmente cantora profissional, reconhecida e respeitada por isso, como um dia eu ousei querer ser. Ah, sou! e isso me enche de emoção e felicidade, pq eu fui lá e fiz, com todas as pedras do caminho, e isso é meu só meu.
coincidentemente, no mesmo CCBB tá rolando uma grande exposição sobre a vida da Elis. Hj sentei pra ouvir e ver Elis com olhos e ouvidos da cantora adulta que agora sou (onde coloquei esses 25 anos? que vertigem que me deu agora… como se eu tentasse subir uma escada rolante na contramão: esforço vão).
Ouvi Elis bem pouco na vida, nunca pra estudar. Na verdade, nunca ouvi cantoras pra estudar. Eu colocava os discos e cantava em cima, mas do meu jeito. Eu era a estrela. Nasci sem o dom de imitar e com excesso de personalidade. Hj, arrepiada dos pés à cabeça, surpreendida com lágrimas nos olhos, boquiaberta, vi uma Elis estupenda, num telão gigante, onde é possível ver toda a articulação do seu canto, a trajetória do ar, a embocadura, o corpo que se dá inteiro ao cantar, um bloco de emoção e técnica, tão perfeitamente natural e orgânico… E o amor profundo de todo o ser dela por cantar, o gozo, a completude. A gente adivinha a coluna de ar espiralada ascendente que atravessa a cantora (só as de verdade), e a eleva àquele lugar onde só a música coloca a gente, uma dimensão imaterial onde só existe respiração e som, e o vento bate por dentro, o sangue quente borbulha nas veias e a gente simplesmente se entrega à canção. Me peguei aos prantos, como se eu sentisse aqui a dor da Elis, a dor do silêncio da Elis.
.*frase da Elis
vida real
24/03/2012
Caro leitor,
Vc sabia que eu sou cantora? Uma profissão da qual muito me orgulho. Mas confesso que adorei quando uma leitora do blog apareceu num show dizendo que era fã dos meus textos e qdo soube que eu cantava, foi conferir. Em geral não misturo as estações, pq não quero usar este blog como mais um canal de divulgação. Mas vou fazer isso, só por hoje.
Pois então, aqui vai o link para uma página, no Soundcloud, onde é possível ouvir músicas de todas as fases da minha carreira. Está tudo organizado em três sets: Jazz, MPB e Samba; Black, soul, funk; e O Amor de uns tempos pra cá, com as músicas do meu disco em duo com o Nabuco, de 2007.
Fiquem à vontade para ouvir e comentar! As músicas de minha autoria podem ser baixadas, as outras vc pode ouvir online. Não tem que se inscrever, não tem que preencher, nem pagar nada, é só clicar na setinha laranja do play e pronto! Se gostarem, compartilhem com os amigos. A melhor divulgação de um artista é o boca-a-boca.
Estou finalizando meu novo CD solo, Jamba, que está lindo de morrer e sai, em breve, pela Mills Records , com arte de outra colega de blog: Beá Meira. Estou ansiosa para mostrar pra todo mundo! Enquanto isso, continuo no Triboz sempre no primeiro sábado do mês, cantando músicas lindas.
Clique aqui pra ouvir.
Essa aí sou eu. um beijo, daqui, do mundo real
série cantoras – temporada 6
24/05/2010
Fatima Guedes reina soberana, rainha imperatriz da composição popular brasileira. Ela borda lindas melodias, doma harmonias e preenche o palco com a certeza absoluta de tudo o que é. Intérprete vigorosa e entregue, ela paira muito acima de nós, humildes servos, ajoelhados aos seus pés. Ela é o topo da cadeia alimentar.
Fatima merece um trono todo de ouro, uma estátua em praça pública, um monumento. A música dela sempre me encantou. Mas agora que eu sou uma mulher feita, a música dela reverbera dentro de mim com propriedade. Ali estão todas as filigranas de tudo, decupadas pelo olhar arguto dela.
Fatima faz música para adultos, para os vivos, para nós, os aprendizes. Quase acabei com os guardanapos da Lapinha, de tanto que chorei. Um choro que começava com a música e ia ecoando lá dentro de mim, cantora, mulher, vida difícil, a minha coleção de frustrações, os mil sonhos que nunca se realizarão. Os amores que não tive, os que tive, os que perdi. Tudo passou dentro de mim, rio caudaloso da minha emoção aflorada, vinho tinto, solidão retumbando dentro do peito.
Olhando pra ela ali, cantando as músicas mais lindas do mundo, chorei por ela, pensando em quanta frustração ela deve colecionar neste país de surdos, esse mercado risível, esse amadorismo permanente com que se trata a boa música e os bons músicos neste país. Dificilimo encontrar um CD dela para comprar. No youtube, só material caseiro. Ela, a mais genial, linda, completa, inteira. Uma mulher preciosamente comum, sem firulas, sem brincos, sem sapato, vivendo aos turbilhões. Fatima, no meu altar vc é deusa. De mim, vc tem todo o reconhecimento que merece. E, humildemente, junto minha voz ao seu canto: “Eu também quero ser, quem não quer? Quero ser feliz”.
série cantoras – temporada 5 – Cassia Eller
06/05/2010
Eu estava com o Arranco em Paquetá, para um show de pré-rèveillon na praia, fazendo hora no boteco-camarim. E tome pastel de camarão, enquanto esperávamos a gloriosa hora de entrar no palco ao lado de velhos bambas como Monarco, Nadinho da Ilha, Walter Alfaiate, Wilson Moreira. A galera chegava e se acomodava na areia, esperando o samba. Alguém recebeu um telefonema e falou: Caraaaca, a Cássia Eller morreu!
Silêncio.
Ficou todo mundo parado, com o coração desafinado e o samba atravessado. Uma tristeza só. Esse papo de o show ter que continuar é coisa que todo mundo fala, mas só artista realmente entende. Subir num palco pra festa com uma pedra no peito é dureza. Mas a gente vai lá, liga o personagem e acaba fazendo o show, mesmo com aquela estranheza atravessando a gente. Essa é a minha lembrança do dia da morte da Cassia Eller. “Morreu de bobeira”, alguém falou!
Cássia era um escândalo. Sanguínea, quente, entregue, perfeitamente em consonância com o que cantava. Era incrível a presença tomada, colérica, apaixonada, aquele vozeirão que a carregava, rouca, o rosto explodindo, as veias saltando do pescoço. Je ne regrette rien, atacava ela, de Piaf. Já eu, Cássia, me arrependo para sempre de não tê-la visto muitas e muitas vezes. A gente deixa coisas passarem assim, passando, sem prestar muita atenção, e aí já viu… perdeu.
Que eu saiba, nunca houve nem haverá uma cantora como ela. Nem no rock, nem no pop, rien de rien, em lugar nenhum…
A música é só se for a dois, de CAzuza. Só encontrei esse video…
Meu Pãozinho de Açúcar
12/04/2010
Nosso Pãozinho de Açúcar saiu do forno. Esse é o nome do DVD do Arranco de Varsóvia cantando Martinho da Vila. O primeiro show é amanhã, dia 13, no Teatro Carlos Gomes, às 19h. Sou suspeita, mas o negócio é lindo de morrer, prove um pedacinho do Pãozinho aqui ó: