não-verbal
21/04/2015
canto mil músicas pra ele, sobre ele, sobre mim, sobre o amor, sobre a paixão, em inglês. as palavras escorrem de mim, na direção dele, liquefeitas e cremosas.
ele não entende inglês. então, de vez em quando, canto olhando nos olhos dele. ele sorri. sempre sorri e me olha lá dentro. no final de tudo, me beija.
acho que ele entendeu.
questão de gosto
16/06/2014
nunca tive um bicho*. amo animais só nos videos do youtube. vejo milhares, platônica.
tenho aflição do olhar transparente dos gatos e jamais recolheria o cocô de um cachorro com saquinho plástico. detesto cheiro de cachorro. e acho um saco qdo vou namorar um cara na casa dele e o cachorro fica do lado da cama ou qdo o gato se esfrega na minha perna.
eu nao gosto de Dali. admiro, entendo a importância. mas nao gosto. adorava qdo era adolescente, mas parei de gostar.
detesto fusca, qq um, de qq época. sempre detestei. nem acho fofo.
gostei de romero britto qdo vi pela primeira vez, a explosão de cores. agora, intoxiquei. mas acho um saco isso de ser proibido gostar dele.
romero britto é o paulo coelho das artes plásticas. mas quem falou que ele faz artes plásticas e q o paulo coelho faz literatura? óbvio que não.
adoro o vinho carmenère daqueles vira-latas do club des sommeliers. acho um néctar dos deuses. custa 17 pila.
não acho bonito mulher grávida. entendo a filosofia da beleza, a vida blá blá, mas acho feíssimo.
intimamente, sempre descredenciei e desconfiei das autoridades. e hoje em dia tem essa coisa insuportável de ter coach pra tudo. ninguém sabe mais fazer nada sozinho: estudar, pesquisar, pensar, malhar, comer, rezar, decidir, viver, administrar carreira, cantar, existir.
amo comer qualquer legume e verdura crus, qualquer um. acho delicioso, de verdade.
preconceito: eu acho que todo gringo tem cecê e não toma banho direito.
adoro feriados, dias enforcados, greves de ônibus, chuvas torrenciais e tudo aquilo que interrompe o mundo.
eu como chocolate todo dia. amargo, beeem amargo. e café, não adoço de jeito nenhum. acho café uma bebida doce.
eu acho o rock um esporte juvenil.
nao sinto a menor culpa de ligar o ar bem gelado toda noite e dormir enroscada num edredon fofo.
*em 2016 comecei a pesquisar sobre como seria ter gatinhos, estudei, li, vi mil tutoriais e em 2017 adotei o Pepê e o Tumtum, que mudaram minha vida pra muito melhor, me humanizaram e encheram a minha casa de alegria e fofura e amor. Nada como mudar! Recomendo! ❤
minha rainha
01/06/2014
eu tenho um amigo. ele me ensinou tantas coisas tão importantes pra mim. fomos juntos à faculdade. descobrimos que, mesmo com diferenças etárias e geográficas radicais, nascemos falando o mesmo idioma.
com muito orgulho vi aquele garoto da calça verde virar gente, dono de uma inteligência rara, que o levou a todos os lugares do mundo onde ele esteve estudando, trabalhando, sendo genial, divertido, engraçado, competente, maravilhoso. a carreira deslanchou e ele desabrochou pra vida, aprendeu de tudo, falou línguas. mas tinha dificuldade em encontrar aquele lugar interior onde a gente tira o sapato e se sente acolhido. o mundo pode ser um lugar difícil.
esse meu amigo é gay. faz diferença? faz. e vou explicar porque. ele não foi meu primeiro amigo gay, mas foi o primeiro que me contou que apanhou na rua por ser gay, que mostrou que o mundo podia ser hostil, mas que ele não ia se dar por vencido. ele foi abrindo caminho no grito, na competência: olhem pra mim, eu sou assim! um dia, ele descobriu que ele era o dono do lugar que quisesse, que podia plantar sua bandeira em qq lugar e simplesmente ser. então ele floresceu, se apoderou de si mesmo, ocupando sua plena potência. e me ensinou a me olhar, a me ser, a exigir respeito como mulher, hetero, cantora, gordinha e carioca. eu.
com ele aprendi a ter intimidade que eu nunca tinha praticado com ninguém. aprendi a falar o indizível e a ouvir o inaudível, humanos, simplesmente humanos sobre a terra. por ele, com ele, trabalhei um monte de preconceitos, um monte de olhares viciados, aprendi montes de coisas e me transformei numa pessoa menos careta.
lindo, gato, bem sucedido profissionalmente, altos e baixos no amor, diversão em alta, produtividade bombando. ele agora resolveu se divertir um pouco mais e virar drag queen. falamos de maquiagem, de perucas, de truques femininos. eu e meu amigo. e lá vou eu, majestade, aprender a domar outros preconceitos, a fazer o dolorido exercício de aceitar o desconhecido sem julgar, lá vou eu detonar outros vícios do olhar e ver outras novidades nunca dantes navegadas. e assim, o mundo se esclarece, pela via do amor. tive sorte de te encontrar, my queen, minha rainha louca!
a little respect
08/04/2013
só por hoje abrir os olhos e tirar da frente todo julgamento. olhar para as coisas aceitando o jeito de ser de tudo, sem cair na tentação de pensar se-fosse-eu, se-fosse-comigo, tá certo, tá errado. não pensar em nada. só olhar e ver e aceitar e apaziguar o coração da mania terrível de consertar o que está fora e deixar o de dentro quebrado.
fechar os olhos para o erro do outro e enxergar o meu. direção defensiva, fazer o bem, esperar o bem, sempre, sempre, no matter a situação. só por hoje olhar para todas as pessoas do mundo com o mesmo olhar. o mendigo, o professor, o amigo, o porteiro, a balconista da farmácia, a senhora, a adolescente. sem julgar nada. sem achar nada. sem classificar. sem rotular, sem querer entender nada. só aceitar.
sair à rua assim. e cada vez que vier um ímpeto classificatório, um achismo, vir com a mão pesada da educação pela pedra e afastar pra lá a tentação. respeitar, sem julgar, sem achar nada. só respeitar todas as escolhas, todas as diferenças, todas as pessoas e coisas sobre a mesma face da terra onde ando.
e de só-por-hoje em só-por-hoje, um dia terei treinado o meu olhar para simplesmente aceitar toda diferença como semelhança.
O segredo dos meus olhos
16/10/2010
Eles trocaram uns 4 segundos de olhar profundo. Viveram, no passado, uma intensa, conturbada e boa história de sexo e paixão. Em 4 segundos, o olhar que trocaram abriu a cortina e deixou passar o filme. Os olhares disseram, um para o outro: eu sei daquilo tudo. O olhar foi direto ao centro das emoções sem moral e sem racionalidades, onde tudo se justifica pelo que o corpo pede, pelo que o coração sente, pelo que é impossível julgar ou proibir. Mesmo que tudo indique que nada daquilo vai se repetir, mesmo assim. Provavelmente, nunca tocarão no assunto. Mas os olhos se tocarão. E tocarão, eles mesmos, no assunto e falarão a lingua do olhar.
A fala do olhar desconhece censuras e disfarces. O olhar não sabe mentir como as palavras sabem. Quantos segredos se manterão guardados à beira do olhar, compartilhados apenas por quem os viu? Trama de olhares. Olhares inconfessos. Olhares e segredos trocados em silêncio, consentidos. Votos confirmados, amores confessados, saudades, desejos. Tudo lá.
Foram apenas uns 4 segundos. Talvez 3.