fim de uma era

22/08/2017

Tristezinha ao saber da morte do Seu Mário, o dono da Mariuzzin… Foi um dos lugares que mais frequentei na vida, quando ainda era na Raul Pompéia. Lembro das noitadas inesquecíveis dos anos 90, ao som do melhor de todos, o DJ Zezinho, e dos longos papos com Seu Mario, encostada no balcão, tomando aquela caipirinha batizada.
Dona Edna, mulher dele, era toda impávido colosso, uma esfinge sentada na porta da casa, com aquele ar de quem saiu de um cabaré hiper-realista, maquiada demais, de peruca, perfume doce e bois de plumas. 


Sempre admirei a forma como se respeitavam, viviam de braços dados, se tratavam com delicadeza, carinho e deferência. Quando ela morreu, chorei por ele.
Agora, os dois são poeira de estrelas e podem passar a eternidade iluminando a noite lá do éter. Assim no céu como na terra. 

 


 

 

turistas

08/07/2015

“Se cada pessoa plantasse uma frutífera na frente de casa, crianças poderiam comer frutas todos os dias, sem precisar comprar. E assim cresceriam saudáveis”, diz o ministro da igreja em que entrei pela primeira vez por curiosidade. Fui entrando, senta aí, ele disse, rabiscando uma fileira de casas e árvores em perspectiva infinita, ponto de fuga no horizonte. Filósofo, teólogo, culto e apaixonado pela lógica. Duas horas de conversa sobre os mistérios do mundo, eu e o ministro da igreja que atravessou meu caminho. “adoro que me perguntem, ninguém nunca me pergunta nada”, diz ele desenhando, num papel, estranhos gráficos para ilustrar respostas.

O ministro me disse que são necessários um bilhão de antepassados para eu ser eu, e por isso, de certa forma, carrego todos eles nas costas. Uns me empurram pra frente, outros me puxam pra trás. Uns inspiram, outros sufocam. Uns sopram divinos dons, outros pedem por um bom cigarrinho e marafo. Acho graça, não tenho religião nenhuma. Sempre tem os que ascendem e os que preferem ficar por aqui mesmo. Quero uma religião sem deus. Deus é a maior invasão de privacidade que há. O olho que tudo vê. Não. Não quero religião nenhuma.

Música já faz as vezes disso tudo na minha vida. No palco, rezo. Lugar comum, dirão. Mas todo mundo repete isso porque é isso mesmo. Cantar de verdade, sem fazer pose, se entregar a uma música, junto com músicos que estão no mesmo transe, pra uma plateia que está na mesma faixa de frequência é uma sessão de descarrego acompanhada de um passe e uma bênção. Até o sangue afina, a linfa flui, o hipotálamo se equilibra e o timo cresce. Equivale a rezar, se iluminar e encontrar deus. Tudo a mesma coisa.

Em Copacabana, isso de plantar frutíferas pra cada casa seria o caos. Já imaginou a Av. Nossa senhora de Copacabana ladeada por mangueiras carregadas? As mangas caindo nos capôs dos carros e dos ônibus, poft, no parabrisa, e abacaxis crescendo nos canteiros, onde cachorros de lacinho e sapato fazem xixi. Ou então bananeiras deitando seus cachos baixos, ao alcance da mão do transeunte. Pegar, descascar, comer. Não suja nem os dedos, se for esperto. “Ah, que lindo seria. Se numa rua de mil casas…” delira ele, apontando pra sua rua infinita no papel, cheia de crianças e casas e árvores,“cada uma tivesse uma frutífera. Uma só! As crianças pobres teriam mil fontes de alimentação e poderiam crescer e estudar. Não comi fruta, por isso fiquei assim, baixinho”, diz ele, do alto de um metro e meio de filosofia e amor à arte e à lógica.  “Veja: Esse pensamento é revolucionário! O êxtase da arte é o que procuramos. Vcs, músicos, encontram”.

Mais cedo, meu analista me fala de Machado de Assis, que preciso reler, entre tantas coisas. Admitimos nossas humanices. O ministro da igreja fala em Jung e assim, no flow, o dia se encarrega de encerrar o tema com um capuccino quente e um vento frio. “A verdade, o bom e o belo: a vida deveria se resumir a isso”, diz o filósofo. “Todo o resto é erro”.

As coisas estão todas bem misturadas e alinhadas e eu acho que a vida só é boa quando é assim. Uma hora ela tira pra dançar, outra ela dá chá de cadeira ou uma bela rasteira. Mas aí ela mesma vem e estende a mão. Se você topar, ela te levanta, e eventualmente te dá uma piscadela. E outra rasteira e outra piscada e outra dança. Não há vencedores, só aspirantes. Gosto de olhar assim pras coisas. Ancestrais, Jung, sopa de legumes, pesadelos da infância e imposição de mãos. Turismo, puro turismo.

2015-05-04 19.21.25

oroboro

12/02/2015

mudei de casa. adoro a casa nova. mudei de bairro. estou conhecendo o bairro novo. ainda nem sei qual supermercado é mais perto, mais barato, ou qual boteco entrega até mais tarde, ou qual farmácia etc. sei de nada. não conheço a cara de nenhum porteiro, nenhum camelô, nenhum traficante e nenhum morador de rua. só conheço um fruteiro, que trato com o maior cuidado, já que ele é o único que me trata como se eu sempre tivesse estado aqui. And I belong again.

estou aturdida com cenário, figurino e elenco da minha nova vida: muitos turistas, muitas putas, muita gente, muito barulho e poeira preta. praia grande (linda), terceira idade. mudaram as cores e os cheiros da vida. mudou tudo. o paradoxo de Copacabana é que, no bairro mais veloz do Rio, vc tem que aprender a desacelerar. aqui, o limite de velocidade é outro. o povo de Copa é mais faceiro e fagueiro que lépido. eu sou forever young em minha aventura pela terra. reciclo, renasço. pra sempre oroboro

aqui acordei da paixão, voltei à velha forma, não sei para onde vou. sei que, numa vida passada, vim de Ipanema, mas isso já tem tempo. mudar o cenário mudou minha visão inteira, minha perspectiva. mesmo amando minha nova casa, ainda me sinto presa ao éter por um fio, como se ainda não tivesse assentado no meu terreiro. ainda não sou dona dessa nova vida.  de forever young me sinto forever velha, cheia de dores, ocupando um velho corpo, não habito o meu futuro. aí, lembro que não existe futuro, tudo o que há é uma experiência de presente e, portanto, estou onde devo estar. o cenário mudou, mas eu continuo a mesma. estou confusa. perdão.

no metrô, de repente era Paris, um cello tocava Bach. Ao contrário de Paris, os cariocas aplaudem. volto zonza de uma reunião do trabalho social que estou apenas começando a fazer, e que me enche de orgulho e medo. ali, as pessoas são como eu. jovens, alimentam uma estranha fé no trabalho comunitário e lento. me imagino tendo os dias mais felizes da minha vida, tentando levar alguma dignidade ao fim do mundo. depois lembro que vou ter que dormir 5 dias no alojamento improvisado na única escola da comunidade. tenho vergonha de não querer ir. sou jovem, mas sinto dores de velha. madame não gosta de samba. e quem não gosta de samba…

na volta da reunião, entro num supermercado onde nunca entrei, na esquina da minha nova casa. não sei onde fica nada, não conheço os produtos que vendem. uma ironia, uma metáfora da minha vida. compro o vinho da promoção e uma manteiga de Minas, que nunca provei. teve bom.

aquele canto verde de morro, que já sei que brilha quando chove, o céu estrelado visto da cama e as paredes azuis já são meus. até este ponto, cheguei.

 

araras doda 020

 

PS: Acabo de ler: “É preciso reinventar o risco e a aventura contra a segurança e o conforto.” Malvine Zalcberg

Tá bem.

cantoras*

22/03/2011

cantoras sofrem. cantoras ficam inseguras. cantoras choram um pouquinho. cantoras sentem dobrado. cantoras sentem medo e confessam. cantoras carregam malas enormes mesmo para fazerem show na sua própria cidade.  cantoras erram e pedem pra parar o show e recomeçar a música. cantoras são intensas. cantoras querem ser amadas. cantoras adoram aplauso. cantoras fecham os olhinhos pra sentir melhor. cantoras amam que seu público simplesmente ame o que ela faz. cantoras são fofas.  cantoras não se importam com dinheiro. cantoras amam sobre todas as coisas do céu e da terra, cantar.

*minha homenagem ao/às cantor(as) do festival A Influência do jazz,  de cantores de música brasileira influenciados pelo jazz, que está rolando na Sala Baden, produção minha. eu “se identifiquei” com el(e)as…

Orelhão  no bas fond de Copacabana é cheio de propagandas de profissionais do sexo de todos os estilos. Em geral são panfletinhos p/b xerocados e colados um em cima do outro, do qual constam uma foto, descriçao dos atributos do profissional/serviço,  nome e telefone para contato.

Na madrugada de sábado, saindo do Cervantes, vi os papeizinhos dentro do orelhão da esquina da Prado Junior com Barata Ribeiro. Quando me deparei com esse folheto aí,  bolei! Já vivi e vi muita coisa nessa vida, tenho amigos vividos e viajados, de todos os sexos e crenças e classes sociais. Tenho um diálogo aberto com todos eles, inclusive sobre sexo. Mas esse negócio de fazer “kelvi sem parar” é uma novidade absoluta pra mim e pra todos os amigos que estavam lá! Ficou todo mundo curioso e viemos embora. Na mesma hora pensei no blog e arranquei o papel pra escanear. As amiguinhas do kelvi ganharam inclusão digital…

Cheguei em casa às 6h30 da manhã e vim direto procurar na rede. Tá lá: kelvi é felação sem camisinha. Neste caso,  a duas bocas. Isso tudo por qua-ren-ta-re-a-is! E sem parar…