Esse negócio de ser cantora é muito louco, mesmo. Ontem passei a noite embargada com o show da Leny AndradeAurea Martins e Alaide Costacom o grande Gilson Peranzzetta. Inteiras, entregues, presentes, donas das canções que cantam, de cada nota. Uma vida inteira, 50, 60 anos cantando, que coisa mais rica, que fortuna!

E me emociono também porque desse lado da realidade, as artistas não têm figurinista, não têm cenógrafo, não têm as regalias que a grande fama dá. Abrem seus armários, escolhem suas roupas e seus acessórios de brilhos e se maquiam. E estão novamente prontas, sem afetação nenhuma, sem frescura, sem estrelismo, brilhando com a chama natural que carregam, e por terem vivido e visto o que viram. A simplicidade de quem chegou ao cerne da questão com tanta propriedade e escolha.

Esperançosa, me vi ali, daqui a alguns anos, herdeira que sou dessa linhagem de cantoras que escolhem palavras e melodias pra cantar, com minhas próprias roupas brilhosas, com minha vidaloka, com minhas escolhas dolorosas, com minhas renúncias e esse caminhão de sorte que ganhei da vida. Este fim de semana não saio de casa, dedicada ao estudo do repertório da Fátima Guedes, pro meu show do sábado que vem, dia 15, no Beco das Garrafas. E lá vou eu, e lá vou eu. ♫

salto triplo*

22/11/2017

*escrevi este texto inspirada no show de mesmo nome, que faço com Elisa Queirós e Cacala Carvalho, só com nossas composições.

 

TENHO ASAS, POSSO MUITO BEM VOAR

CRUZAR MIL CORDILHEIRAS E DEIXAR

UMA CORRENTE QUENTE ME LEVAR,

PLANAR SOBRE AS CIDADES, FLUTUAR

DAQUI DE CIMA APRECIO A VISTA E PULO

BRAÇOS ABERTOS PARA A IMENSIDÃO DE TUDO

 

TENHO TERRAS A CONQUISTAR,

SOU UMA AMAZONA CAVALGANDO EM PELO,

DONA DE UM DESERTO DISTANTE E PERIGOSO,

CHEIO DE OÁSIS PARA DESBRAVAR.

PROVOCO TERREMOTOS E ABRO FENDAS

É DO MEU EPICENTRO QUE A VIDA BROTA

 

TENHO SETE MARES A SINGRAR

MERGULHO EM APNÉIA,

PESCANDO PÉROLAS EM CORAIS ABISSAIS,

RAINHA DAS ÁGUAS, SENHORA DAS MARÉS,

SEREIA QUE ENCANTA MARUJOS DO AMOR,

DESÁGUO EM SETE QUEDAS, SALTOS TRIPLOS

E SOU IARA, A DONA DA CACHOEIRA

 

EU TENHO A CENTELHA DO FOGO E ESPALHO A BRASA

TROVEJO, RELAMPEIO E CORTO O CÉU COM MEU FACHO DE LUZ

EU SOU AQUELA QUE CONDENSA E CHOVE,

NASCI EXUBERANTE DO LÓTUS, DA LAMA DOS LODAÇAIS

FEITO UM SOL, RAIO, ME PONHO, RECOMPONHO

E CHEIA DE ALVOROÇO, ALVOREÇO E SOLO

 

AGRADEÇO PELA GRAÇA ALCANÇADA

DAQUI DE ONDE VEJO É TUDO PLENITUDE

TODO PODER E GLÓRIA ME PERTENCEM

CAIO DENTRO DO MUNDO

COM UM SONHO NA CABEÇA, UM SORRISO NA BOCA

E ESSA CORAGEM NA MÃO

 

parece que os dias de ventanias quentes revolvem velhos sentimentos. Já escrevi isso, há muitos anos. E como é verdade pra mim, estou aqui, toda mexida, ouvindo Nancy Wilson cantar The very thought of you, num link que a grande cantora Aurea Martins, minha amiga, que admiro demais, dedicou a mim e à Ana Costa, outra cantora que admiro e curto muito. Somos três cantoras brasileiras.

Áurea nos chamou de guerreiras, e eu, nesta noite de vento quente, com o lodo do fundo revolvido, estufei o peito achando bom, muito bom. Ser uma guerreira nesta guerra santa, brigando exclusivamente para continuar cantando neste país de surdos, sem padrinhos, sem dinheiro, só com o amor no coração, é a luta da minha vida, my quest, diria Dom Quixote, minha lei, minha questão. E da Áurea. E da Ana.

Então, deixo pra vocês o video Áurea, guerreira mór, conselheira perspicaz, que no dia do lançamento desse micro-documentário, ensinou: “Eu sou de fazer. Sem fazer, a gente não consegue nada, nem fracassar”. Me vejo aí, rio e choro, e peço aos deuses que me dêem a sorte de uma carreira longa e linda como a dela.

quero sair pra ver a lua, mas não tenho força pra caminhar, sozinha, até ela. já caminho sozinha sem parar, faço meu trabalho de sísifo, diariamente. ciente de que não posso reclamar daquilo que escolhi. fico calada. que sentido teria escolher e reclamar? tento resistir à tentação até de me sentir, no fundinho, um pouco heroica por ser a resistência, aquela que vai tentar, com a vida, até o fim. 

mas tudo melhora na presença da arte. talvez eu cante pra isso, pra me salvar, pra ter momentos de leveza e abstração. pra sair desse abismo do rigor e da gravidade, onde tudo é sério demais e necessita reflexão e concentração.  Poemise-se, sempre penso, superficíe-se, repito no espelho. emerja dessa abissalidade insondável e pesada, dessas mil atmosferas que carrega sobre a cabeça. permita que os momentos passem como a água por debaixo da ponte: nunca igual, exuberante, constante, transitória, suficiente, impossível de se reter e, por isso, de raro sabor. aproveite. ria. relaxe. aceite. goze. let go.

2014-08-31 16.20.41

 

 

 

 

a entrevista em que a Mônica Salmaso fala sobre a situação atual da mpb é um sucesso! todo mundo concordando: indigência, Lepo lepo, Anitta, popozudas etc.

 

Daqui do meu lugar de cantora, há 25 anos em plena atividade praticamente ignorada pela mídia oficial, tenho minhas observações a fazer, advogando, também, em causa própria.

 

Voltando rapidamente ao passado, depois de ter feito milhares de shows em todas as casas bacanas do RJ, tendo feito 10 anos de coisas incríveis ao lado de músicos idem, cantei durante cinco anos na Modern Sound, onde fiz 275 shows. Nenhum jornalista de música foi me ver. A imprensa, que quase não há nesta cidade e, salvo exceções, é monotemática, não dava nem tijolinho sobre o show, pq alegava ser atividade permanente, fora do interesse dos cadernos de cultura. Os jornalistas especializados nunca apareceram, apesar de fartamente convidados por mim. Nunca uma linha numa coluna pra dizer: existe, no Rio, uma cantora que fez 275 shows lotados, sábados à tarde, no templo adorado da Modern Sound.

 

É uma delicada rede de silêncio: sem o jornalista dar uma nota, sem a imprensa falar, o público fica desinformado e eu e todos na minha situação, deixamos de existir oficialmente, tendo que correr por fora, eternamente clandestinos, iniciantes, aspirantes. Inventando formas de existir num universo paralelo ao da mpb oficial.

 

Nestes 25 anos, lancei 5 discos solo, cujos shows de lançamento foram solenemente ignorados pela mídia (não estou falando de crítica aos discos, que tive). Independentemente da qualidade do meu trabalho, ele existe, não estou louca. A apreciação vai de cada um. Mas como provar que ele existe, se ele não existe oficialmente? No nosso ambiente, só existe oficialmente o que tem a anuência da imprensa, da tv, do rádio. O público espera essa autorização, essa recomendação. E nós não aparecemos na TV, não tocamos no rádio e não saímos no jornal. Logo, não existimos.

 

Sou do Arranco de Varsóvia, há 13 anos, lançamos três cds e um DVD neste período. Que eu saiba, também nunca tivemos a presença de um jornalista de música na nossa plateia. Mesmo com prêmios, com parcerias nobres e uma atividade permanente e pioneira, há 20 anos.

 

Há 4 anos sou a única artista residente da única casa de jazz internacional desta cidade. Um templo da música boa, dessa sobre a qual se falou tanto hoje nas linhas do tempo. Isso é um lugar raro de se estar, como cantora, numa cidade como o Rio de Janeiro. Já recebi a canja de artistas incríveis, de músicos de todo o mundo, de plateias vip, mas nunca, jamais, em tempo algum, vi um jornalista de música na plateia da casa, com exceção da Eugenia Rodrigues. Essa pauta, que já tentei vender mil vezes, não interessa a ninguém. Ok, então, não precisa falar sobre mim. Mas, sobre a casa, sim! É obrigatório falar, pq ela é um lugar da excelência, onde a música e o músico são tratados com um respeito que não se vê nesta cidade. Não é uma casa de festa, com música pra vender cerveja, Mas nem tijolinho a gente consegue. “não sobra espaço”, dizem.

 

Vivo escutando, das pessoas que gostam da minha música, que eu não divulgo meu trabalho, que o mundo deveria conhecer meu disco novo, que o que faço é maravilhoso demais pra ser ignorado. Como se eu quisesse manter meu trabalho em segredo, pra meia dúzia de admiradores. Como se eu não estivesse tentando, querendo, precisando e merecendo essa expansão. Tento sem parar, quero, preciso e mereço, mas não tenho braços pra, sozinha, remar esse barco. Nenhum artista tem. Dinheiro ajuda, mas não resolve. Cada vez q eu vejo um show maravilhoso com plateia vazia, eu lembro do quanto as pessoas reclamam do panorama da música ruim, sem levantar da frente do óbvio para ir ver o mundo real, onde artistas reais criam, vivem, trabalham e renovam, sim, a boa música brasileira de cada dia.

podem me prender, podem me bater e podem até deixar-me sem comer que eu não mudo de opinião. daqui do morro eu não saio, não.

Estou atacando de produtora desse projeto, que muito me orgulha. Semana passada a parada foi maravilhosa, hoje recomeçamos. Vamos?

cantoras*

22/03/2011

cantoras sofrem. cantoras ficam inseguras. cantoras choram um pouquinho. cantoras sentem dobrado. cantoras sentem medo e confessam. cantoras carregam malas enormes mesmo para fazerem show na sua própria cidade.  cantoras erram e pedem pra parar o show e recomeçar a música. cantoras são intensas. cantoras querem ser amadas. cantoras adoram aplauso. cantoras fecham os olhinhos pra sentir melhor. cantoras amam que seu público simplesmente ame o que ela faz. cantoras são fofas.  cantoras não se importam com dinheiro. cantoras amam sobre todas as coisas do céu e da terra, cantar.

*minha homenagem ao/às cantor(as) do festival A Influência do jazz,  de cantores de música brasileira influenciados pelo jazz, que está rolando na Sala Baden, produção minha. eu “se identifiquei” com el(e)as…