Esse negócio de ser cantora é muito louco, mesmo. Ontem passei a noite embargada com o show da Leny Andrade, Aurea Martins e Alaide Costacom o grande Gilson Peranzzetta. Inteiras, entregues, presentes, donas das canções que cantam, de cada nota. Uma vida inteira, 50, 60 anos cantando, que coisa mais rica, que fortuna!
E me emociono também porque desse lado da realidade, as artistas não têm figurinista, não têm cenógrafo, não têm as regalias que a grande fama dá. Abrem seus armários, escolhem suas roupas e seus acessórios de brilhos e se maquiam. E estão novamente prontas, sem afetação nenhuma, sem frescura, sem estrelismo, brilhando com a chama natural que carregam, e por terem vivido e visto o que viram. A simplicidade de quem chegou ao cerne da questão com tanta propriedade e escolha.
Esperançosa, me vi ali, daqui a alguns anos, herdeira que sou dessa linhagem de cantoras que escolhem palavras e melodias pra cantar, com minhas próprias roupas brilhosas, com minha vidaloka, com minhas escolhas dolorosas, com minhas renúncias e esse caminhão de sorte que ganhei da vida. Este fim de semana não saio de casa, dedicada ao estudo do repertório da Fátima Guedes, pro meu show do sábado que vem, dia 15, no Beco das Garrafas. E lá vou eu, e lá vou eu. ♫
vida, minha vida
12/09/2018
salto triplo*
22/11/2017
*escrevi este texto inspirada no show de mesmo nome, que faço com Elisa Queirós e Cacala Carvalho, só com nossas composições.
TENHO ASAS, POSSO MUITO BEM VOAR
CRUZAR MIL CORDILHEIRAS E DEIXAR
UMA CORRENTE QUENTE ME LEVAR,
PLANAR SOBRE AS CIDADES, FLUTUAR
DAQUI DE CIMA APRECIO A VISTA E PULO
BRAÇOS ABERTOS PARA A IMENSIDÃO DE TUDO
TENHO TERRAS A CONQUISTAR,
SOU UMA AMAZONA CAVALGANDO EM PELO,
DONA DE UM DESERTO DISTANTE E PERIGOSO,
CHEIO DE OÁSIS PARA DESBRAVAR.
PROVOCO TERREMOTOS E ABRO FENDAS
É DO MEU EPICENTRO QUE A VIDA BROTA
TENHO SETE MARES A SINGRAR
MERGULHO EM APNÉIA,
PESCANDO PÉROLAS EM CORAIS ABISSAIS,
RAINHA DAS ÁGUAS, SENHORA DAS MARÉS,
SEREIA QUE ENCANTA MARUJOS DO AMOR,
DESÁGUO EM SETE QUEDAS, SALTOS TRIPLOS
E SOU IARA, A DONA DA CACHOEIRA
EU TENHO A CENTELHA DO FOGO E ESPALHO A BRASA
TROVEJO, RELAMPEIO E CORTO O CÉU COM MEU FACHO DE LUZ
EU SOU AQUELA QUE CONDENSA E CHOVE,
NASCI EXUBERANTE DO LÓTUS, DA LAMA DOS LODAÇAIS
FEITO UM SOL, RAIO, ME PONHO, RECOMPONHO
E CHEIA DE ALVOROÇO, ALVOREÇO E SOLO
AGRADEÇO PELA GRAÇA ALCANÇADA
DAQUI DE ONDE VEJO É TUDO PLENITUDE
TODO PODER E GLÓRIA ME PERTENCEM
CAIO DENTRO DO MUNDO
COM UM SONHO NA CABEÇA, UM SORRISO NA BOCA
E ESSA CORAGEM NA MÃO
Vera Cruz*
25/03/2016
(primeiro de tudo, quero que todo mundo entenda que este post é sobre amor, sobre sincronicidade e sobre a música, não sobre personagens).
enquanto to ali fazendo ovos de páscoa recheados com ganache de uísque, pros meus entes queridos, estou pensando em Vera Cruz, música que finalmente vou cantar no meu show BrazJazz, depois de amanhã, depois de uma longa paquera, e de tê-la cantado, pela primeira vez, a convite de um amigo maestro e sua orquestra.
Lembro de ter lido ou visto ou ouvido o Milton “Bituca” Nascimento, em algum lugar, contando a história da importância dessa música na careira dele, um desbravamento, e fui procurar pra aprender e contar no show. Nessa, acabei encontrando um episódio desconhecido pra mim, em que o Márcio Borges, parceiro de Milton na música, fala da amizade de adolescência deles com a presidente Dilma. E que, 40 anos depois, antes de a Dilma ser presidente, mas já depois de todos aqueles anos de luta, eles se reencontraram, e ela pediu pra ele cantar *Vera Cruz, música que ela ouviu em primeira mão, quando todos eram moleques em Minas. Uma música que fala de uma mulher, mas que também poderia ser sobre um país. Meus olhos encheram d’água de pronto! Eu nem sabia de tudo isso. E escolhi cantar essa música logo agora, o Brasil em chamas…
Senti meu sangue brasileiro me ocupando, um aterramento, uma propriedade. Me senti defendendo a minha casa com a minha voz. E isso não tem nada a ver com os personagens. Mas com a minha voz de mulher brasileira, hoje e pra sempre livre pra cantar e contar todas as lindas histórias humanas que eu bem quiser. Sem ter que pedir licença ou perdão. Sem ter que me esconder de ninguém.
50
14/07/2014
à beira de fazer aniversario, saio de um show numa rádio, pela manhã, mal dormida, pensando no show que terei, exatas 12 horas depois.
chego em casa, ligo o ar, desligo os telefones e me permito dormir o soninho da beleza entre um show e outro. durmo fácil como se fosse.
sonho que estou à beira de uma piscina muito turquesa, cujas bordas se nivelam ao gramado em redor, como se a água sempre tivesse estado ali, brotando do centro do quintal.
vejo uma criança-delfim me convidando para entrar na piscina, mergulhando desaparecendo numa borda para aparecer em outra, um erê-sereia, chamando sem chamar. vou.
me jogo, mergulho, desta vez por uma espécie de túnel no ar, uma fenda na parede da paisagem por onde entro, como se pulasse um muro pra dentro do mundo.
mergulho e brinco de encontrar a criança dentro d’água. ela foge de mim, nos perdemos, ela ri de mim. e qdo boto a cabeça pra fora, só dá tempo de eu ver as paredes do mundo se fechando em volta da piscina, retângulo perfeito, erguendo uma muralha de cimento que vai subindo qual torre de babel ao infinito, em volta do perímetro perfeito da piscina. e lá estou eu, no fundo de uma garganta sem fundo. meu paraíso começa a ser emparedado e o sol, que brilhava e azulava tudo, vai virando uma janela remota lá em cima, retangular, uma claraboia que vai se afunilando enquanto sobem as paredes de cimento, em volta de mim, ao universo e além.
minha claustrofobia quase se rende quando percebo um caco caindo do muro eterno, deixando ver o mundo lá fora e, dali, já consigo avistar um pedaço de paisagem, um céu azul, montanhas verdes ensolaradas e outras águas. por conta própria, o cimento da parede vai descascando, saindo como se fosse a casca de uma fruta que se tira com as mãos, espiralando. só que aqui, a polpa da fruta era o lado de fora. a parede se dissolve, e o muro se desfaz em troça. dentro da piscina permaneço, de novo ao sol, de novo vislumbrando um canto de natureza meio torta, meio Dali. e aí, o céu é meu, e eu sou a dona daquilo tudo de novo.
e nem sei porque, naquela hora, no meio do sonho, eu tive certeza de que as paredes cederam por mim, a mim, e que o sol iluminou a piscina e que o céu era azul, pra mim. só pra me avisar que era meu aniversário e que tudo, tudo está no seu lugar.
perdi um pouco a hora, levantei correndo, segunda sessão começando em breve. 50 anos. banho, maquiagem, cabelo, figurino, malinha, taxi. 50 anos.
my way
11/03/2011
atolada com a produção/divulgação/administração/social do festival do convite aí de baixo, ensaio pro meu show no festival, escolha de repertório pro disco solo, revisão de texto de um livro pra entregar ontem meio-dia, apuração pra duas matérias giga pra veja, seleção de repertório e banda pra um show off-topic, homenageando o ronaldo bastos, um livro só meu em construção, dieta eterna, malhação obrigatória, familia e amigos pra dar conta.
e eu sonhando com uma longa viagem de carro, por paragens distantes cujo nome nem sei.