vida, minha vida
12/09/2018
insulto ao comum
04/08/2015
desde muito nova, quando comecei a me deparar com as dificuldades da carreira (e o que sabia eu sobre dificuldades?), eu já achava a coisa mais feia do mundo ser músico ressentido, reclamão, gênio incompreendido. sempre achei que quem escolhe não pode reclamar do que escolheu.
tem muito músico que confunde arte com milagre e se acha melhor que os outros porque tem o dom da música. sempre fiz questão de deixar claro que não acho isso, que acho que todos temos um dom e que o mundo precisa de todos. o que seria do mundo sem pontes, sem dentistas, sem pintores de parede, sem cozinheiros? a diversidade colore o mundo, tem gosto pra tudo.
o outro lado desse engano comum vem justamente do olhar do leigo que acha o músico um deus afortunado, um ser especial a quem foi dado o direito de viver “se divertindo”, de “não trabalhar”, como se trabalho fosse, necessariamente, uma obrigação abominável, destinada somente aos reles plebeus.
a batalha na música é muito diferente do romantismo e da poesia que os leigos vêem, embora inclua romantismo e poesia. mas também inclui abandono, desespero, falta de perspectiva, falta de estímulo, solidão, falta de grana e medo. para cada estrela pop que anda de carrão e ganha milhões, existem centenas de músicos como eu, mortais, que não ganham dinheiro, nem fama, nem reconhecimento público, nunca ou quase nunca.
esperar que o mundo tenha um atenção especial para dar aos artistas me parece um engano. eu acho que a arte tem que pertencer à vida, ao cotidiano, à formação do ser humano, assim como a matemática e a geografia de cada dia. a arte deveria ter esse mesmo privilégio, mas não tem. ninguém ensina música na escola como uma possibilidade de profissão. é sempre um hobby, uma diversão. é assim, nesse viés, que começam as distorções que culminam na crença comum de que todos os músicos são vagabundos e maconheiros e que música não é trabalho. porque ela diverte quem escuta e quem faz.
talvez, nesse padrão capitalista infernal, onde as relações de trabalho servem para tornar o patrão feliz e rico e todos os outros, escravos, escolher e ter prazer no trabalho seja um insulto ao comum. mas não é possível ignorar toda a cadeia produtiva envolvida na música que o mundo inteiro consome o tempo todo. milhares de rádios, de playlists, de canais de música, de CDs, DVDs, shows, festas, bares. tem música até no elevador. e por trás disso tem gente. muita gente.
tá tudo errado nesta sociedade, isso é óbvio. quem nasceu pronto pra se adaptar ao moedor de gente que é esse modelo de relação de trabalho e consumo capitalistas? jogo a toalha, será que é porque sou artista?
tenho quase 30 anos de carreira, cinco discos lançados, e canto nos melhores lugares, com as melhores pessoas. 90% das vezes, trabalho de graça ou quase. se isso não está errado, me corrija. ou será que vou passar o resto da vida pagando pelo pecado de fazer aquilo que nasci pra fazer, que me dá prazer, sim, que me faz feliz, sim e que faz muita gente feliz, sim?
hoje, aos quase 30 anos de carreira estou, enfim, reclamando. me sinto incompreendida, abandonada, estou ressentida e com muita raiva. hoje, pela primeira vez, um post vai ao ar sem imagem. hoje não quero beleza nenhuma.
corrida com obstáculos
23/02/2011
os pensamentos se empilhavam feito panquecas de lenhadores canadenses, enquanto eu tentava dormir. nada. qdo o despertador acordou, nao acreditei, mas enqto fazia um café, tinha que lavar logo toda a louça da festa e deixar a casa mazomeno apresentável pra reunião de trabalho que ia acontecer à noite, senão não dava tempo. e tb tinha que colocar roupa na máquina, deixar a toalha de molho – o vinho manchou – lavar e guardar as panelas, os copos, talheres.
Ai, a divulgação, os releases. E tb passar uma vassoura, um pano no chão, molhar as plantas, lavar panos de serviço e toalhas de banho, e ainda me preparar pra coletiva de imprensa, meio out of tune and out of time na nova casa. ainda tem aquela salada? textos pra aprontar e roteiros pra repensar. preciso retocar as raízes. na minha cabeça só uma música, nada a ver com nada, me ocupando o pensamento. ainda fui correr na praia, só meia horinha, pra manter a fé no sol e no passo. Ok, mas só se demorar 10 min pra todo o resto: arrumar o equipo, banho, vestido, fruta, taxi, trabalho. A pergunta de sempre: por que estou aqui e não ali?
ahhhh, para, moço! preciso passar no banco e pegar o cachê do cara que ainda nao paguei e q passa de madrugada pra receber! e tirar a roupa da máquina, revisar e entregar a matéria, fazer um café antes da longa reuniao cheia de conversas do coração (não esquecer do coração).
Durante o dia, ouço histórias de casais que cumprem seu destino, de amigos tristes e felizes, ouço tb novidades incríveis e nem consigo ouvir com a atenção merecida, reencontro amigos queridos de vidas passadas, morremos de rir com o broder nicolai: vodca, rodela de limão, pó de café e açucar depois do show. os pensamentos continuam empilhados, não posso esquecer de nada. Lá no fundo, o repertorio do disco solo, meia dúzia de culpas, o repertório do conjunto, dieta, saudade da sobrinha, dureza, vida real, recompensas, tristezinhas, emails bons, família, afagos. no fim de tudo, dou de cara com uma garrafa de bordeaux, na gaveta de verduras, esquecida da festa. ê, vidão!