quero sair pra ver a lua, mas não tenho força pra caminhar, sozinha, até ela. já caminho sozinha sem parar, faço meu trabalho de sísifo, diariamente. ciente de que não posso reclamar daquilo que escolhi. fico calada. que sentido teria escolher e reclamar? tento resistir à tentação até de me sentir, no fundinho, um pouco heroica por ser a resistência, aquela que vai tentar, com a vida, até o fim. 

mas tudo melhora na presença da arte. talvez eu cante pra isso, pra me salvar, pra ter momentos de leveza e abstração. pra sair desse abismo do rigor e da gravidade, onde tudo é sério demais e necessita reflexão e concentração.  Poemise-se, sempre penso, superficíe-se, repito no espelho. emerja dessa abissalidade insondável e pesada, dessas mil atmosferas que carrega sobre a cabeça. permita que os momentos passem como a água por debaixo da ponte: nunca igual, exuberante, constante, transitória, suficiente, impossível de se reter e, por isso, de raro sabor. aproveite. ria. relaxe. aceite. goze. let go.

2014-08-31 16.20.41

 

 

 

saÍ de casa atrasada para o casamento. ainda tinha que passar no caixa, tirar dinheiro, passar no supermercado e comprar uns não-perecíveis que os noivos pediram como colaboração para a comunidade espiritual da qual fazem parte. botei vestido novo, pintei cabelo, fiz as unhas, me maquiei. merda, não tenho sapato! fui, afobada, meio capenga, me sentindo vazia, uma solteirona incorrigível, feia, velha, gorda, pobre. hopeless.

casamento lindo, velas, esteirinhas e almofadas de chitão espalhadas pelo gramado, a descontração da festa e das pessoas, a alegria genuína sem pose, sem boá de plumas e óculos ridículos e sandálias havainas de brinde. ninguém se fantasiou para ir a essa festa, ninguém fez um cenário de cindelera. era a vida simples, colorida e linda como ela é. depois da choradeira, a alegria foi coroada com uma linda roda de samba, da qual participei cantando coisas de amor. fui contagiada pela felicidade do casal, pelo vinho, pelos amigos. sosseguei.

de repente, numa roda de amigos, me chama a atenção uma mocinha morena, muito sorridente e magra, em cujo colo se podia ver, sob a finíssima pele, um marca passo. de algum lugar da memória, vem a lembrança de uma campanha para arrecadar fundos para uma moça que havia descoberto um câncer terrível, em estado bem avançado, com uma chance de tratamento na Alemanha. O rosto dela veio num flash. Era ela. lutando a favor da vida, há anos, incansável, determinada, sorrindo no samba.

o marca passo aparente evidenciava, como uma bomba relógio, os tiques e taques do tempo que se apressa, não só pra ela, para todos nós. uma ampulheta silenciosa correndo e avisando, como o coelho da Alice: é tarde.  é a morte que faz a felicidade urgente.  chorei, no banheiro da festa, pela moça do marca-passo ali sorrindo, conversando, como se nada estivesse acontecendo, com a vida por um fio, mas querendo, com todas as forças, continuar no samba. desejei ter super poderes pra mudar o rumo da história. lembrei, imediatamente, de abraçar meus amigos, de ser grata pela vida, de cuidar da saúde. e de parar de reclamar do sapato ou de ter que pintar os fios de cabelo branco, que me avisam duas coisas: o tempo passa. mas você está viva. vamos sambar.

finito

11/07/2013

quando eu era mais nova, me achando dona do tempo, andava pela rua de cabeça erguida,  ostentando a minha juventude, que gritava que eu ainda tinha tudo pela frente, podia tudo. podia, mesmo. o que eu não sabia é que, mesmo depois dos 30, mesmo depois dos 40, ainda posso tudo. e que o tempo não é privilégio da juventude. o tempo é privilégio dos vivos.

saber que a vida é um pavio que vai queimando ininterruptamente dá raiva, dá medo, dá revolta, mas é um bom motivo pra espanar a poeira da frescura, pular por cima da dúvida, derrubar o muro da vergonha, enxugar as lágrimas, acabar com o mimimi, abrir o peito e fazer tudo. tudo.

quando a gente cresce, a gente descobre que não é só morrer que acaba com a vida da gente. morrer é fácil. quero ver é continuar viva enqto houver vida, com a mesma cabeça erguida, encarando o tempo, gozando com a existência e tirando proveito da finitude. quero ver!

tudo de bom

16/05/2013

Eu quero que você, que nunca foi a Paris, ganhe uma viagem de presente, e tenha dias de filme. Que você conclua seu projeto. Que você sinta amor, paixão e tesão e seja correspondido. Espero que aquele seu plano secreto se concretize. Que tudo funcione da melhor forma possível pra você. Tomara que você seja o melhor filho para os seus pais, e o melhor pai para seus filhos. Que os vizinhos lhe queiram bem, que a vida lhe trate com elegância e que você tenha um bom amigo, ou mais que um. E que vc seja bem surpreendido alguma vez. Torço pra que o trabalho que vc faz seja apreciado à altura da sua dedicação e do seu merecimento. Torço pra que seu companheiro realmente te acompanhe, te respeite e te ame. Desejo que todos os dias da sua vida sejam de paz. E que a alegria seja a sua visita mais frequente. Se a tristeza pensar em chegar, que seja leve. Sombra, água fresca, música, dias ensolarados, chuva prazenteira, longas noites de amor e riso. Te desejo vida com uma pitada de sal, um pouco de açúcar, e uma pimentinha. Boa comida, bebida e juízo, só o quanto baste. Que a temperatura seja amena e a maré, mansa. Que as tempestades lhe sejam suaves, mas se forem fortes, que sejam breves. Desejo tudo de bom pra você.

dia de luz festa de sol e o barquinho a navegar no macio azul do mar. tudo é verão, o amor se faz, num barquinho coração que desliza na canção

tenho uma tia que não vai à praia por causa das varizes, que não quer exibir. A outra tia, morrendo de rir, fala: “na praia do leblon, com aquelas meninas lindas de morrer, vc tem que dar graças a deus se alguém olhar pra sua cara! ainda mais pras suas pernas!” e quá quá quá.

Eu passei a vida brigando com meu peso. sanfona, sanfonérrima, sanfoninha, acho que nunca passei um ano inteiro com o mesmo corpo. estou sempre indo ou vindo. mas hj, gordinha, o sol brilhou depois da chuva no feriadão. e sol, procuro pegar todo dia, pedalando e dando um mergulho-axé no arpoador.

a minha vida não está fácil, mas tb nao está difícil. to inteira, faço o que gosto, tenho boas perspectivas e gente amada em volta. e posso ir à praia, que fica a 3 quadras da minha casa. tá reclamando de quê? da celulite? aham. crianças sendo bombardeadas por aí e vc preocupada com a celulite? herdei aqueles braços gordos da vovó, que odeio fervorosamente. Mas de uns tempos pra cá, dados os fatos da vida, comecei a achar que, independente da aparência, o importante é ter braços. num ímpeto de maturidade e autoestima, resolvo: vou botar uma camiseta, braço de fora, pq quero desfrutar desse sol, me bronzear.  Nuuuuunca usei braços de fora, mas hj vesti minha camisetinha e fui pedalar e pronto! comemorando o dia da consciência, nêga! biquini por baixo, pro santo mergulho no final do percurso, saí de casa me sentindo linda, gostosa, braços de fora, feliz, entre outras coisas, por uma recente conquista de mulher, dessas que te elevam à 20ª potência. subi no meu camelo (gíria do meu tempo pra bicicleta) e fui por aí,  em pleno sol, pista fechada pro feriado passar. gatinhos, adultos, velhinhos, bebês, magrinhos, gordinhos. o rio de janeiro sorrindo para o planeta. e eu.

desfruto de um lindo dia de sol e verão e mar e arpoador. encontro amigos pelo caminho, vou ouvindo músicas lindas, vejo uma roda de capoeira, tiro fotos, vejo o sol se por. mais tarde tenho ensaio. que bom. na volta pra casa, me vejo refletida numa vidraça de portaria.  os braços gordinhos de fora. e feliz, linda e gostosa pra mim mesma.

 

primavera

18/09/2012

Eu não me caibo de tanto desejo de ver o resultado de tudo, de colher a tal colheita prometida e morder a fruta.

Todos os dias acordo e corro pra ver o que brotou. Há flores, borboletas, cactos, espinhos, folhagens, matos daninhos. E os passarinhos que vêm cantando e fazem ninhos.

Quando a gente vê, deu flor, fruto e filhote. Há vida, há música. E aquele inverno tenebroso morreu dentro da gente.

I’m not in love

18/10/2011

preciso me apaixonar urgente. preciso me apaixonar pra sharpear a cor da vida. pra voltar a achar bonitas umas músicas, umas frases, pra apreciar Jorge Vercillo, sempre falando de amor como uma epifania, um momento da ascenção, de iluminação. Pra encolher a barriga. E tb pra ficar horas me olhando no espelho, horas passando creme nas pernas, tirando sobrancelha, fazendo unhas.  horas feliz. com aquele canhão de luz apontando de dentro pra fora. quentura. aquela falta de fome, aquele fastio, cheio de borboletas no estômago. e também para andar sorrindo na rua, para estranhos. e pra ter a felicidade de esperar o telefone tocar, e ele tocar. ficar apaixonada é um inferno, uma montanha russa, um desassossego, um aluguel. muito mais legal do que a paz-eterna-amém.

 

fio da meada

25/04/2011

Minha irmã me ensinou que Flaubert disse: “Tenha cuidado com a tristeza. É um vício.” Depois disso, nunca mais esqueci de driblar os pensamentos que podem acordar tristezas, tirá-las dos esconderijos onde estão, e dar-lhes à luz. A tristeza tem lá seu colorido, seu sabor. É farta e disponível. E vicia. Se a gente puxar o fio da tristeza de dentro da gente, ele apresenta uma a uma,  feito lenços saindo da cartola do mágico, feito bandeirinhas de São João, feito lampadinha de árvore de natal: uma seguidinha da outra.

Tristeza não tem fim. Está sempre lá, cheia de motivos. Tímida e chorosa, num  cantinho, ou doida pra brilhar, dançando em cima do queijo, espaçosa. Uma tristeza convida a outra pra entrar: “fica à vontade, querida, aqui tem espaço para todas nós!” E ela entra,  arma sua barraca e acampa na sala.  Quando uma alegriazinha qualquer bate à porta, elas abrem e dizem: “não tem ninguém em casa”, e blam!

Morro de medo de tristeza, pq quando começa não para mais, e aí ela me invade como o inimigo invade uma cidade, me toma e me ocupa, mesmo os melhores lugares de mim. Sequestrada por ela, refém da tristeza, paralisada, vejo a vida real passando lá longe, imperfeita, mas também cheia das alegrias que pisoteamos, todos os dias, em busca da felicidade.

Aqui no Rio, qdo entra o verão, reinam os sinônimos estabelecidos de alegria e diversão: beber até cair, ficar loucaça, beijar mil bocas, jogar altinha, tomar champagne na praia, felicidade urgente para todos. O verão é um grande carnaval que dura 3 meses.  Se vc não está nessa, desafina. Amo praia e posso beber e produzir falsa alegria e transe a qq hora, mas estar dentro de uma multidão suarenta,  cantando Vou festejar, realmente nao me diverte mais. Me sinto inadequada, passada, fora de esquadro.

Estou sem alegria e vou além: to cansada dessa necessidade de alto astral, de festejar, de comemorar, de ser feliz o tempo todo, de ser “pra cima”, de produzir um clima de felicidade permanente, de “encantar a vida”. Isso virou uma imposição dos esotéricos e neurolinguistas, que ameaçam a gente com os nossos próprios pensamentos e sentimentos. De hoje em diante vc só pode pensar coisas lindas e boas e prósperas e fofas e saudáveis e positivas! A vida real, cheia de defeito, feiura, dificuldade, celulite e dureza, essa vc desprograma dentro de vc e tudo muda! A celulite some e a grana aparece. ãhã. A gente vira culpada por tudo, é pior do que os crentes, o papa e seus rebanhos. E nem tento mais desabafar com amigos, pq começa a campanha pra “levantar o astral”: vc é maravilhosa, sacode a poeira, dá a volta por cima!

Vamos pular, vamos dançar, vai rolar a festa, vamos todos participar desse grande comercial de telefonia celular, dançando nas ruas, o astral lá em cima, cercados de gente bonita em clima de paquera! ‘Cause tonight is gonna be a good night. Não estou jovem, não estou bela, estou cheia de problemas e não espero nada de um sábado à noite ou de um carnaval, perdi a chave da diversão. Não me empolgo, não me interesso e nem me divirto com quase nada ou ninguém. Desencantei. Chega de maya, chega de ilusão, chega de esperar. Godot is not coming. Godot nem existe. Fuck Godot.

PS. ihhh, mó baixo astral esse texto

sorte

28/01/2011

não tenho sorte no jogo.  não ganho nada. sou das pessoas mais mal remuneradas que conheço.

nem no amor. minha vida amorosa é um fracasso retumbante e milenar.

ah, sei, o importante é ter saúde

 

retrato

26/01/2010

Na fotografia estou sorrindo um sorriso que nem me cabe na boca, os olhos acesos, ao lado dele. Ele passa o braço em volta do meu ombro, espaçoso e confiante, com os olhos mareados de tanta fumaça e noite. O sorriso é de plenitude e cerveja.

Em cima da mesa, erguemos uma estranha catedral de bolachas de chope. Em volta de nós, a Lapa e nossos amigos incríveis. Malandras e malandros no salto alto, colares de sementes, guias de todas as cores e todos os orixás. Figas de guiné e ouro no pescoço. Os instrumentos estão apoiados nas mesas e cadeiras. Nos divertimos na pupila do olho do vulcão onde tudo é puro fervo e adrenalina e altas gargalhadas.

Dentro de mim a fogueira arde, o fogo lambe, estalando as achas no meu epicentro. Estou em plena combustão, fulgurante e viva como uma brasa.  Unhas vermelhas, cabelos de cobre, pele dourada. Eleita e pertencente. Depois, amanhecemos em todos os pontos da cidade, Aterro, Diabo, Mirante do Leblon.

Já vejo o pessoal recolhendo as mesas, colocando as cadeiras de pernas pro ar, amontoadas.  A água, cheirando a Creolina, molha os pés do pessoal da saideira, lavando o chão, empurrando os restos da noite pros bueiros das ruas, onde os primeiros trabalhadores já estão indo trabalhar e onde os postes já se apagam. O sol varre, da rua, os boêmios que nunca querem ir pra casa dormir. Ligamos o ar bem gelado e nos enfiamos debaixo de um edredon branco e fofo, o blackout vedando as frestas das janelas. E a felicidade lá.

absolutismo

17/02/2009

é melhor ser alegre que ser triste

the lady in red is me