a semana começou com a notícia do suicídio do filho de uma amiga. 20 anos recém feitos. A depressão insuspeita reinava a apenas dois dedos abaixo da superfície, que mostrava um lindo menino calmo e silencioso. Na carta de despedida, revela que já tinha tentado se matar, sem sucesso, que era tão solitário e triste que não queria mais viver. Desta vez conseguiu. A mãe trabalhava incansavelmente para melhorar a vida dele.

Dois dias depois, recebo a notícia de que o filho de outra amiga, 18 anos, entrou em surto e ameaçou matar a mãe e depois se matar. Foi internado e medicado, lobotomizado pela medicação que vai calar seu desespero. Sabemos que está desmotivado para a vida, porque um rapaz pobre não tem sonho, nem querer, neste país de dinossauros brancos, ricos e famintos. Não consegue estudar por falta de recursos. Não consegue trabalhar porque não estudou. Quer trabalhar, comprar roupa, ir ao baile, ter uma bicicleta, namorar. Mas não consegue nem existir. A mãe trabalha desde os 12 anos, e encara quatro horas de transporte para ir trabalhar, todos os dias. O pai nunca está em casa, trabalha o tempo todo.

Meus amigos, mesmo com um filho só, vivem exaustos, mortos de cansaço e pingando de sono, porque acordam de madrugada para levar filhos na escola, e depois correm pro trabalho, pra tantos trampos quantos consigam administrar, para conseguir pagar boletos e mais boletos e não frustrar as demandas dos filhos: academia, patins, terapia, violão. Tablet, Disney, tênis de marca, celular. Nunca batem a meta. Trabalham demais e dormem de menos e raramente se divertem ou fazem o que gostam, porque ter um filho se assemelha a ter que alimentar um exército. Filhos querem muito, têm muito, querem mais. E preciso pagar escolas caríssimas, dar o melhor, fazer o máximo. E a vida vai passando ligeira, lá longe. Tempus fugit.

Todos estão insatisfeitos, infelizes e frustrados, pais e filhos. Mal se comunicam. Os filhos que não têm nada, se matam ou querem morrer, com raiva dos pais. Os que têm tudo, acham natural o esforço alheio para lhes dar conforto. Querem outro celular o mais rápido possível. Mal conhecem a cidade onde moram, porque nunca levantam os olhos das telas. Estão hipnotizados e abduzidos pela vitrine de consumo que lhes apresenta o mundo. Completamente despreparados para a vida real, para a “pelada de calçada”. Os pais correm, é preciso correr. “Ai, ai, meu Deus, alô, adeus, é tarde, é tarde, é tarde”, disse o coelho da Alice, indo para lugar nenhum.

balanço

31/12/2015

a coisa que uma cantora mais deseja é conseguir continuar cantando, apesar do mundo. não canto pra agradar ninguém, não canto pra ficar rica ou famosa, não canto pra causar, não canto pra ser diva ou pra ser idolatrada. eu canto pra cantar. porque sinto que dentro de mim tem uma fonte de onde brota uma energia ininterrupta, e cantar é como um chafariz, que projeta pra fora de mim o que nasce lá dentro, numa lógica caótica, que mistura sons e palavras e sensações. o negócio jorra, e aí é preciso cantar. só a música pode carregar essa corrente pra fora de mim. é simbiose, eu vivo dentro dela e ela vive dentro de mim. terror e êxtase. 
 
tenho uma lista interminável de desejos e projetos profissionais, tenho muitas lindas ideias, tenho discos pra gravar, shows pra fazer, lugares pra visitar cantando e velhos sonhos amarrotados no fundo da memória. sempre será necessário um convite, parcerias, dinheiro, patrocínio, ajuda, reconhecimento e oportunidades. ninguém faz nada sozinho e sem grana. não tenho padrinhos, não tenho parentes famosos, não tenho dinheiro. nunca, em 29 anos de carreira, um jornalista de música foi me ver cantar. e eu cantei sem parar nesse tempo, sem descanso. gravei cinco discos solo e cinco discos e um DVD com o Arranco. gravei e fiz shows com um monte de gente famosa, cantei acompanhada dos melhores músicos deste país, nas melhores casas dentro e até fora do país. mas em 2015, todas as portas se fecharam pra mim e nao consegui realizar quase nada. eu resisti, porque eu sempre resisto, porque sem cantar eu nao sou. estou previamente combinada comigo mesma que fazer música não pode estar vinculado à sordidez desse mercado excludente e dessa cena musical pífia.
 
por mais bobo que seja, a gente não escapa! fim de ano chega e a gente bota as coisas na balança pra fazer os ajustes da caminhada. das poucas coisas que 2015 me deu, a melhor foi continuar trabalhando na casa de música mais profissional desta cidade, acompanhada pelos meus fieis escudeiros de ouro, cantando para minha plateia atenta, sensível, apaixonada por música. quando a gente perde quase tudo, a gente aprende a valorizar o que tem. e por isso contei essa história toda, pra dizer que os elos dessa corrente se fortalecem com vocês, com seu aplauso e sua presença. por isso sempre serei grata por vocês me darem a honra de cantar para vocês. obrigada. 
que seu novo ano seja leve, de alegrias e paz e cheio de saúde, prosperidade e amor!
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em junho deste ano, 2014, faço 50 anos.

este blog tem esse nome pq, qdo eu tinha 20, conheci a obra do compositor Erik Satie e me apaixonei. ele tem uma peça chamada Avant-dernières pensées, que quer dizer Penúltimos pensamentos. fiquei encantada com a irreverência dele e com uma frase que, naquele tempo, já me parecia completamente pertinente: “Disseram-me: Verás quando tiveres 50 anos. Tenho 50 anos. Não vi nada”. Aos 20 anos eu já achava isso totalmente plausível e hoje, na beira dos 50, percebo que eu antecipara uma sensação de permanente perplexidade que, no ano passado, me fez tatuar um ponto de exclamação no cangote. quero deixar bem claro que estou perplexa e, embora não tenha visto nada, vi muita coisa e permaneço aquela mesma garota que tinha sede de viver tudo. acima de tudo, estou perplexa por fazer 50 anos.

ano retrasado, aos 48 anos, eu só pensava em desligar os aparelhos, desesperada por problemas de dinheiro, saúde, trabalho e amor. tudo ruiu. ano passado, como resultado de todo o investimento da vida, with a little help from my friends, aos 49, renasci. estou vivinha da silva.

àqueles que pensam que tem uma hora pra desistir do sonho e ir fazer outra coisa, conto meu segredinho: depois de intempéries, contrariando todas as expectativas e indicativos, vou realizar, em 2014, aos 50 anos, com 26 anos de carreira, o meu sonho impossível.

qdo eu tinha 29 anos, uma mulher muito foda me falou: “aquilo a que vc se dedicar, daí virá o seu sucesso”. nesse meio tempo entendi que o sucesso muda de lugar o tempo todo. e a gente na estrada, caminhando, caminhando. e isso é bom. *

o movimento do desejo é constante, avante, ao alto, em espirais ascendentes tendendo ao infinito.

*aos que acham que apenas o pensamento positivo basta, aquele abraço.

tudo de bom

16/05/2013

Eu quero que você, que nunca foi a Paris, ganhe uma viagem de presente, e tenha dias de filme. Que você conclua seu projeto. Que você sinta amor, paixão e tesão e seja correspondido. Espero que aquele seu plano secreto se concretize. Que tudo funcione da melhor forma possível pra você. Tomara que você seja o melhor filho para os seus pais, e o melhor pai para seus filhos. Que os vizinhos lhe queiram bem, que a vida lhe trate com elegância e que você tenha um bom amigo, ou mais que um. E que vc seja bem surpreendido alguma vez. Torço pra que o trabalho que vc faz seja apreciado à altura da sua dedicação e do seu merecimento. Torço pra que seu companheiro realmente te acompanhe, te respeite e te ame. Desejo que todos os dias da sua vida sejam de paz. E que a alegria seja a sua visita mais frequente. Se a tristeza pensar em chegar, que seja leve. Sombra, água fresca, música, dias ensolarados, chuva prazenteira, longas noites de amor e riso. Te desejo vida com uma pitada de sal, um pouco de açúcar, e uma pimentinha. Boa comida, bebida e juízo, só o quanto baste. Que a temperatura seja amena e a maré, mansa. Que as tempestades lhe sejam suaves, mas se forem fortes, que sejam breves. Desejo tudo de bom pra você.

dia de luz festa de sol e o barquinho a navegar no macio azul do mar. tudo é verão, o amor se faz, num barquinho coração que desliza na canção