lua cheia de outono*
19/05/2014
Quero alguém que me pegue aqui
pra ver a lua cheia de outono
Alguém que me ligue pra dizer: saudade, nêga, vem cá.
Mas não dou sorte no amor
Tenho essa mania de rua,
não temo os becos, bebo com putas
cato cacos transeuntes,
e com eles teço os dias e poesia bruta
dou um tapa com a traveca e trago gengibre e breja
dentro de mim mora uma moça toda de cor de rosa
Alguém que me ligue sexta reservando o sábado
Que me chame pra pegar um cineminha, as mãos dadas
Mas dou azar com as paixões desavessadas
que começam pelo fim e terminam de manhã
antes que eu sequer tenha a chance de sonhar
Meu corpo é uma cidade manifestada, calçada de palavras, em chamas,
em mim é sempre alta madrugada e drama
Um certo alguém que sente à mesa pra tomar café com pão
Que me beije a boca com paixão, e me leve no ponto
Mas eu não tenho tato com as certezas
Salto de uma pra outra, vidrada na dúvida.
Devo, não devo, fervo, permito,
e me perco no epicentro da roda de samba
Não obstante, me sinto só
Engulo a seco, o choro, e soluço de cachaça e riso
E piso firme na beira da praia, onde corro onde solo onde sob o sol,
Soul poeta, atleta, alegria e contradição.
* comecei a escrever este poema sobre mim mesma, mas qdo vi, servia pra minha amiga aniversariante, Lelê , que é tipo eu, assim mesmo.
chuva de verão
10/01/2012
penso em vc chegando, na sua casa, no começo da noite, meio bêbado, num dia de semana qualquer, abrindo a ultima cerveja da geladeira e ligando a TV. vc dorme cedo, não é um homem da noite, não é de sair pra farra. sinto sua falta batendo papo na cozinha. no fim do dia, vc me liga. quando vc liga a TV, um pouco antes de dormir, vc pensa em mim, nos nossos dias de amor e paz. sente falta de uma mulher do seu lado, vc disse, pra coçar as suas costas, pra beijar sua boca, pra te fazer cafuné, pra deitar com vc. sente falta da parceria, das risadas, da conversa, do chamego. no meio da noite, te mando um torpedo, sinto sua falta na cama. vc responde cheio de saudades. tem história que é, praticamente, um trailler: só os melhores momentos, sem importar o fim.
ciranda
16/12/2011
minha amiga c. gosta da magia e sedução da noite. Mora na lapa, trabalha na lapa. Pra sair do trabalho e ir pra casa precisa, necessariamente, passar pelo furdunço mais abissal, onde todo mundo que ela conhece está celebrando a vida eterna. resistir, quem há de?
Ela me manda uma mensagem, via chat, estranhando sua inusitada placidez: “vc acha muito esquisito a pessoa, de repente, ficar calma e decidir passar o réveillon na roça?”
respondo que, nao, nao acho nem um pouco estranho mudar de itinerário. Em volta de mim, meus grandes amigos estão todos em pleno ato de refazer os roteiros. Embora apegada e canceriana, sinto segurança na mudança, fator humano, que procura melhores atalhos o tempo todo. É a excelência da raça, tentar outras saídas. Meu handicap é ser volúvel, reconheço muito bem o valor da mudança, da liberdade de mudar de tudo.
faz muito sentido a cadência onde a vida traz movimento que traz mudança que traz liberdade que traz curiosidade que traz descoberta que traz transformação que traz novidade que traz coragem que traz fé que traz vida.
*foto de mosaico feito por Lia Silveira.
la luna
16/06/2011
o dia era da lua. eu sou canceriana, né? lunar, lunática. fui pedalar e ver o eclipse da lua. vi a lua branca, cheia perfeita, redonda, desaparecer às mordidas, enqto eu pedalava do leblon ao arpoador, ida e volta, ida e volta. o eclipse enegrecendo tudo, até que se cumpriu, cobriu, descobriu. o arpoador rugia. faz frio nesta cidade.
depois, noite alta, fui pra lapa, pra rua. A lua, a noite toda, novamente em plenilunio. até beijei uma boca, rapaz novo. pecado, pensei, tadinho, pensei, me fui. no caminho de volta pra casa, a danada da lua me olhava, pela janela do taxi, da lapa ao leblon. chegando em casa, quase de manhã, a lua ainda molhava a minha cama pela janela aberta, na hora de fechar a cortina.
amanheceu, fechei o blackout . ela está encoberta pela manhã. eu, também. nós, as selenitas.
retiro
01/10/2010
melhor, mesmo, ter ficado em casa esta noite. em noites como esta, se saio, não volto. não tenho medo da rua. ando, bebo, converso. em noites assim, brancas, sem lua, clima semifredo, a rua é minha, a madrugada me pertence. acordo a jovem vampira e invoco o velho poder de nunca envelhecer, de nunca me cansar, de nunca deixar de ficar acordada. um tal de correr pra esquecer, uma saudade seiládoquê, uma vontade que não é. melhor, mesmo, ter ficado em casa esta noite.
vale tudo – it’s war!
14/03/2010
fui cantar numa casa na Lapa, baile começando depois de meia noite, acabando depois das 3. Trabalho normal pra um cantor da noite. Vez por outra pinta uma empreitada dessas e eu vou, pq vcs sabem: eu poderia estar roubando, mas prefiro ganhar meu dinheirinho cantando.
A casa estava fervendo, faixa etária sub-30. Quando eu subi no palco, reparei que os meninos eram bonitos e malhados, camiseta justa pra mostrar o bração. As meninas também bonitonas, vestidinho, cabelão. Todos tiram fotos de si mesmos o tempo todo. Fazem boquinha, entortam a cabecinha e clic! Tudo sexo, tudo sedução.
Eles bebem, como bebem! Bebem, literalmente, de cair. E olha que eu ando com gente que bebe, com bacharel em boemia, gente grande. Mas os meninos e as meninas compram um combo de garrafas de vodca com latas de red bull e bebem até perderem os reflexos.
Passei a noite inteira sendo assediada, interrompida, incomodada por uns 4 ou 5 débeis mentais que estavam navegando por instrumentos, sem conseguir mais nem ficar em pé, me chamando, querendo subir no palco, me pedindo pra tirar foto com eles, insandecidos sem noção. Completamente dopados e inconscientes e alcoolizados. Testosterona, energético e álcool em mega doses, quadro feio de se assistir. (penso na mãe da criatura vendo o filho nesse estado. Ela nem sonha…)
Valentes, se achando lindos e lindas, foi um perdendo a linha depois do outro, tropeçando, arrumando confusão, gatinhas passando mal no banheiro, um strike de mal gosto. Eu vejo tudo do palco, ao longo da noite. É assim, não é bom nem ruim.
No andar de baixo, missão cumprida, peço o x-músico com guaraná. No telão, um campeonato de Vale Tudo mostra lutadores que fazem cara de mau e armam o pavão pra bater e apanhar na frente de todo mundo. Aquela cara de mau, sabe? Que a gente faz quando é criança? Eles fazem essa cara seriamente, um pro outro, como se fossem dois cachorros de rinha rosnando, dois galos de briga atiçados, prontos pra matar e morrer. A mim parece cômico, ridículo.
O brasileiro ensopapa o chicano de bigodinho chinês, soca a cara dele salivando de prazer até o sangue jorrar e a torcida agradecida se encantar. Meu estomago virou e revirou com a sequencia de socos, me arrepiei, virei de costas. Violência aplaudida e cultivada, que vale milhões, em nome do esporte. Tipo a Santa Inquisição, em nome de deus.
Pela escada lateral do bar um menino rola e cai ao lado da lata de lixo, outros vêm correndo e gritando, um deles cai de cara no chão, outro pega o cone de segurança pra tacar no adversário. A turma do deixa-disso aparece, eles saem ganindo como cães, fazendo aquela mesma cara de mau que eu tinha visto na TV. Essa é a noitada maneira do cara, que ele repete semanalmente. A night to remember e pra contar pra todo mundo: “mermãão, bebemos pra carai, saímo na porrada, véi, irado”.
Quando a câmera se aproxima do lutador vitorioso, ele capricha na cara de mau e passa o polegar de um lado a outro do pescoço, como quem diz: cortei a cabeça dele fora. E com as duas mãos faz, pra lente, um gesto chamando o mundo pra porrada: pode vir, vem se tu é macho. E sai triunfante, carregado nos ombros por meia dúzia de mucamos orgulhosos.
It’s war. Salve-se quem puder, e aos seus.