quiet storm*

03/04/2016

vc era estranho. formal. sério. daquele tipo que aperta a mão e tem um jeito desajeitado de dar dois beijinhos e de abraçar sem encostar. olha nos olhos de leve, ri de lado, e nunca manda beijo na assinatura do email. um abraço, no máximo. mas naquela primeira reunião presencial, numa camada acima daquela onde estavam nossos computadores com mil abas abertas, onde a produção bombava, onde eu aprendia com vc, senti um calor borbulhar bem no centro da mesa. me ajeitei na cadeira um pouco desconsertada, dei um gole na limonada aguada, pedi um café.

quiet storm. lembrei do baile charme, da música pra sensualizar. quiet fire. tive vergonha de te desejar, porque vc não é meu tipo, aquela nao era a ocasião, nem o lugar. mas passei a semana pensando naquela centelha que pingou ali, entre tablets e notebooks e fez um buraco no epicentro da mesa de reunião. não sei se vc reparou. mas eu vi.

quando nos reencontramos, raramente e exclusivamente a trabalho, sinto um pequeno desconforto por não saber o que fazer com esse tesão infundado. depois a vida passa seu arrastão e leva tudo.

hoje eu te vi com uma mulher. numa mesa de bar, bebendo e beijando o beijo mais lascivo, lambendo pescoço, cheirando, idolatrando, endeusando, querendo aquela mulher, como se ninguém estivesse em volta. pura luxúria. assisti de longe seu desejo derrubando paredes, atravessando avenidas, escalando penhascos, invadindo quartos pela vidraça, descabelando e entortando a linha do horizonte.

eu sabia.

.sunset

*para ouvir Quiet Storm: https://www.youtube.com/watch?v=ETGXvWFoEi0&list=PLZLxC6rAOhrjdK3Tnm6Onti5OQziuFu-E

piso fora da nuvem com a lembrança de uma linha que une o pescoço à orelha. uma dobra. e um cheiro bom. e o toque. tudo branco.

o mundo lá fora é plano. as pessoas se falam mas não se escutam. o mundo lá fora é bege. luzes artificiais, bons dias e boas noites. na nuvem só existe verdade. eu falo, vc escuta. vc fala, eu calo. qdo vc me toca, paro, qdo te toco, vc sente. nos ouvimos, nos tocamos, calamos. dormimos, muito. como dormimos bem. e os beijos. e os beijos.

vc me dá uma toalha branquíssima e enorme, tapete de Aladim, sobrevoando Ipanema. meu cabelo está com o cheiro de um xampu que nunca usei. seu desodorante tem cheiro de baunilha,  e eu, pq estou navegando, branca, em sua nuvem, uso também.

vc me oferece uma escova de dentes, fechadinha num pacote: “usa, é sua”. meu corpo está um pouco trêmulo, porque you touched me. sorrio pro fauno que me acompanha. sorrio pra mim mesma no espelho do banheiro, pra minha cigana vermelha, agora envolta na maior toalha branca que há. sorrio, estou aqui agora no melhor dos mundos, portanto, flutuo.

pelo telefone, vc pede pão na chapa com queijinho, café, água gasosa, que amo. vc bota a mesa. requeijão e geleia. segura meu rosto entre suas mãos, me beija na boca, me trata bem. me trata como mulher. piso, pé ante pé, quase vendada,  no atalho de delícias que vc me promete qdo diz: “as janelas são quase à prova de som”. entendo. desfruto.

depois falamos coisas muito sérias sobre a vida, ficamos em silêncio, teorizamos, de mãos dadas. e cochilamos, um sobre o outro. penumbra de quase vigília dentro dos olhos: não posso perder nenhum detalhe.

quando piso fora da  nuvem, entro no taxi sorrindo, peço pra parar no posto, compro sorvete de chocolate belga. vou pra casa, deito, fecho os olhos, o corpo todo agudo. I cloud. Bom. Bem bom.

i could have danced all night i could have danced all night and still have begged for more

trocando ideias avançadas, sobre sexo, com amigas idem, lembrei de uma história que se passou com um médico conhecido meu, num ambulatório de hospital público, no Rio de Janeiro.

Entra um rapaz com uns 20 anos, senta-se e diz, tímido:

– “doutor, eu não tenho orgasmos”

– “ah, não? fale-me sobre isso. vc se masturba?”, endireitou-se o médico na cadeira

– “sim.” respondeu o garoto, ainda cabisbaixo

– “e o que acontece… no final?” pergunta o doutor, curioso

– “ah, sai um líquido”, desdenha o rapaz

– “e a sensação que acompanha é boa?”  fala o médico, de sobrancelha levantada

– “é bom, sim. mas é muito rápido…” responde o cabra, sem muito entusiasmo

– “e como vc imagina que seja um orgasmo?” diz o doutor, bolado

– “Ah, uma parada assim, gostosona, que dure uns 45 minutos, mais ou menos”, retruca esperançoso, o  moleque

– “Tenho duas notícias pra te dar: a primeira é que se vc tivesse 45 minutos de orgasmo, vc morreria! A segunda é que o negócio pode melhorar bastante, mas isso que vc tem, qdo se masturba, já é um orgasmo.”, esclarece o médico, para a decepção do garoto.

 ***

E aí? Tá atrás de um orgasmo de 45 minutos?

quase milonga

02/10/2011

todas as vezes em que eu usar esse perfume hei de lembrar daquele vestido preto, e de você, numa ladeira da Lapa, me puxando pra vc, dizendo: “esse cheiro, esse cheiro, que cheiro é esse, menina?” (fazia tempo que eu não era mais menina). e depois um beijo, outro beijo, um cheiro.

Por dentro de mim, uma lembrança de buenos aires, de onde eu acabara de chegar, cheia de tango. Vc dançou comigo, sem saber, quase milonga: “me tira daqui, me leva, eu não sei dançar…”

E sabia. Sabia, sim.

Dancei

todos os meus amigos, homens, mulheres, de  qq idade e orientação sexual reclamam da mesma coisa: ninguém quer se comprometer. nem o encontro mais mágico, nem as sincronicidades, nem as afinidades, nem os carinhos, nada faz a pessoa amada ficar ou voltar em três dias. todo mundo já começa avisando que “no momento não to querendo me amarrar a ninguém”. Mesmo que vc seja a oitava maravilha do mundo. aliás, ninguém quer a oitava maravilha do mundo pra chamar de sua.

uma outra tendência é namoro com mais de duas pessoas, ao mesmo tempo. casais de três, multidisciplinares. dois com ela, duas com ele, um por cima, outro por baixo e vamo que vamo. substitui um, outro fica no banco. todo mundo bissexual. já estou me sentindo duplamente do século passado pq, além de ser, ops, heterossexual , tb sou monogâmica (com o perdão da má palavra). já fui abordada tipo: “e aí, gata, vc faz a três?” e eu: “não”. ele, com desdém: “mas por quêêê???” eu: “é que eu desconcentro”. A outra modalidade de relacionamento é um namoro aberto, onde todo mundo pode fazer biscate, a la vontê, desde o dia 1 da história. A outra novidade é que muitos homens gays, que nunca pegaram mulher na vida, agora estão experimentando pra ver como é. sem corporativismos.

essa obrigação de aproveitar a vida, de se esbaldar.  tanto estímulo, imagem, zoeira, rotatividade, festa, luxúria, sensualidade, permissividade, sinestesia, oferta, drogas, delícias, consumo. a sensação de estar perdendo alguma coisa, ao optar por outra, sugere que o melhor, mesmo, é ficar com tudo. e nem sei se tá certo ou errado. eis a questão

Doceria

20/05/2011

um dia a gente comprou um quindim, e a gente entrou no carro, sempre rindo, sempre felizes, e vc segurou o doce, me oferecendo, e eu meti a boca na superfície translúcida, solar, cremosa. E depois foi a sua boca junto comigo no quindim, interceptando a tensão superficial, oportuna derrapagem, cremosidade perfeita.

Afinal, de quem era a boca, de quem era o quindim? Sabe essas coisas?

Pois.

nos últimos dias ouvi, de 4 homens entre 30 e 41 anos, a mesma queixa: que as mulheres só querem saber de sexo.

Um deles disse: as mulheres de 20 aprenderam a transar vendo filme de sacanagem na internet, é a referência delas. Acham que o legal é xingar, gemer alto, pedir tapa na cara, fazer caras e bocas. Best performance para um oscar erótico, mas pouco eficaz no quesito intimidade, que afinal, é what it’s all about. E não passam disso.

Outro disse que as mulheres de trinta começam pela cama. Julgam o cara pela performance e nunca mais olham pra ele, caso ele nao seja o que elas queriam que ele fosse. Invariavelmente, um garanhão incansável. Reclamou que elas banalizaram o sexo. Menor sensibilidade para o ser por trás da ferramenta.

O de 41 falou: vc convida a mulher pra ir na sua casa, tomar um vinho, ouvir um som, cozinhar, faz um clima, e ela passa o tempo todo te olhando a perguntar: “quando é que vc vai me levar pra cama?”

o outro, de 36, disse que dispensou uma mulher porque ela perguntou pra ele, enquanto ele tocava uma linda canção ao violão: “vc não vai me comer hoje, não?” Ele ofereceu a porta da rua, gentilmente. Insultado, reduzido ao falo, revoltou-se.

Aqui cabe aquela frase: cuidado com o que você deseja, porque pode acontecer. Não foi isso o que o homem médio sempre desejou? Mulheres que dessem sem frescura, sem cinema e jantar com champagne? Mulheres que desaparecessem depois da transa, como por encanto? Outros morriam de rir repetindo que fulano disse que paga a puta para ela ir embora depois da transa, não pelo sexo. O outro dizia: a mulher ideal se transforma em pizza lá pela meia noite e meia. Pois então, taí o que vc queria. Queria?

Já as mulheres reclamam que querem dar e os homens não querem mais comer, estão todas insatisfeitas, dizendo que os homens correm de compromisso mesmo qdo elas não querem compromisso e nunca ficam tempo suficiente para saber. Há quem lamente que, para alcançar a igualdade entre os sexos,  as mulheres copiaram os homens em tudo. E aí, erraram na mão, fazendo inclusive o que odiavam que os homens fizessem.

Vingança? Perda de fé? A mim parece que as mulheres simplesmente mudaram de lente e aprenderam que nem só de amor vive a cama. Lei do mercado, folks, proposta feita, proposta aceita.

me dê a mão vamos sair pra ver o sol, o sol

Orelhão  no bas fond de Copacabana é cheio de propagandas de profissionais do sexo de todos os estilos. Em geral são panfletinhos p/b xerocados e colados um em cima do outro, do qual constam uma foto, descriçao dos atributos do profissional/serviço,  nome e telefone para contato.

Na madrugada de sábado, saindo do Cervantes, vi os papeizinhos dentro do orelhão da esquina da Prado Junior com Barata Ribeiro. Quando me deparei com esse folheto aí,  bolei! Já vivi e vi muita coisa nessa vida, tenho amigos vividos e viajados, de todos os sexos e crenças e classes sociais. Tenho um diálogo aberto com todos eles, inclusive sobre sexo. Mas esse negócio de fazer “kelvi sem parar” é uma novidade absoluta pra mim e pra todos os amigos que estavam lá! Ficou todo mundo curioso e viemos embora. Na mesma hora pensei no blog e arranquei o papel pra escanear. As amiguinhas do kelvi ganharam inclusão digital…

Cheguei em casa às 6h30 da manhã e vim direto procurar na rede. Tá lá: kelvi é felação sem camisinha. Neste caso,  a duas bocas. Isso tudo por qua-ren-ta-re-a-is! E sem parar…