devassidão
18/03/2012
ele cruzou comigo na escadaria, eu subindo, ele descendo, em busca dos nossos assentos. era uma grande noite, cheia de pessoas vendo e sendo vistas. eu vestia branco, lembro bem. ele, sempre encantador e de paletó. os cabelos desalinhados, a barba crescida, suado, atarefado e gato, o costumeiro hálito alcoólico.
passou por mim, me abraçou pra me cumprimentar, e sussurou no meu ouvido: “só não te como, porque tenho namorada”. en garde, respondi: “não! vc só não me come porque eu não quero”. rimos muito da nossa rapidinha gostosa na escada do teatro, e seguimos.
Hoje, quando soube que ele morreu – poeta jovem, rebelde permanente, artista e acadêmico supercarioca- ele, arquetipicamente eterno, sempre mirando num alvo que ninguém via, eu só conseguia pensar: “por que não dei pra ele?” (isso lá é coisa que se pense numa hora dessas? )
despudorada, acho que ele gostaria desse epitáfio, publicado no dia da sua própria morte. ele, dionisíaco, esfogueado e vivinho da silva, mesmo assim, morto, do jeito que está agora.