figura e fundo

27/11/2008

em geral, sou contra posts longos. Acho que blog é um lugar onde a pessoa passa passando, visita por hábito, nao pq tem tempo sobrando pra ler muito. Minha experiência profissional de jornalista, escrevendo há dez anos para uma coluna diária, me ensinou a cortar palavras e a economizar caracteres. Isso poupa o saco do leitor. Mas hoje vou me demorar. Se não estiver com tempo e saco, passe mais tarde, compreendo perfeitamente.

tenho pensado na passagem do tempo, na idade, na velhice. é a primeira vez na vida em que o mundo começa a me tratar com respeito, com deferências à minha experiência. Me sinto uma espécie de Tia Doca, uma senhora gorda, preta e boa de feijão, com voz de pastora, quando encontro uma cantora da jovem-guarda que vem bater cabeça pra mim. Me incomodo terrivelmente com isso e nao tenho o menor fair play com piadas sobre idade. Talvez eu me acostume quando isso deixar de ser novidade, com o tempo… Embora eu esteja melhor de aparência agora do que antes, a minha idade aparece e não vai desaparecer com uma boa noite de sono. Os sinais estão lá, estampados. Me lembro do dia em que me vi refletida na janela de um ônibus, à noite, eu do lado de dentro, a cidade escura por fora. Aquele vidro virou um espelho que me refletiu, iluminada pela luz fluorescente: it shows! pensei, está tudo lá. Todas as coisas que vivi. Não tem como a gente ludibriar a natureza. Se tivesse, a gente escolhia a quem amar e a quem não amar.

Minha mãe é uma mulher elegante, linda, cheirosa e vaidosa que, apesar de nunca ter feito uma plástica ou similar, sempre se preocupou em manter a beleza e a juventude em sua bela aparência.  Sempre sorridente, simpática, carinhosa, é daquelas pessoas que iluminam o ambiente. Ela não está muito confortável com a passagem do tempo. Não estamos. Acho que a outra mulher da família, minha irmã, está maravilhosa e não me parece se incomodar como nós, somos mais fúteis e vazias do que ela. A outra, a afilhada, tem vinte e oito anos e tomou o primeiro toco da vida. Linda, jovem, vai se recuperar como todas nós. A outra, a sobrinha, ainda está encantada com tudo, vive pulando, falando alto, está em festa e com o colágeno e a elastina bombando. Como todo mundo que é feliz aos sete anos.

Na rua vi um homem de uns setenta anos, muito bonito. Altissimo, magro, ereto, olhos azuis, pele branca, cabelos brancos, barba bem feita, vestido de khaki e verde musgo. Chique. Cruzamos os olhares, profundamente. Vi, como num relâmpago do passado, o rosto dele quando era jovem: cabelos louros na infância, castanhos na vida adulta, bonito, atlético, esportivo. Pensei que a aparência e a idade são como um escafandro que vestimos progressivamente, que vai afastando nosso corpo daquilo que nunca muda. Como se a gente ficasse de dentro, pra sempre olhando o mundo com os mesmos olhos jovens, curiosos, ávidos, sensuais, desafiadores. Ele me olhou com o que nunca envelhece em nós. Eu retribui com o que nunca vai envelhecer em mim. Aprendi com a minha mãe que a nossa luz tem que servir para iluminar a vida. Sou uma mera aprendiz, mas chego lá…

a mais linda de todas nós

a mais linda de todas nós

17 Respostas to “figura e fundo”

  1. gugala said

    Nossa! É vc!
    bjs

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  2. Beá Meira said

    Andréa,
    Parabéns pela casa nova. Adorei as cores do cabeçalho. Acho que este lugar ficou lindo e arejado parece até que tem vista para o mar!
    Eu também já estou trocando de pele faz tempo e sempre penso neste lance de continuar olhando a vida da mesma maneira. A minha vó velhinha me contou que isso acontecia. Que ela era ainda uma menina vestindo aquele corpo definhado.
    Mas esta tua mãe é uma pintura de dentro para fora e de fora para dentro. Sempre impecável!

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  3. Elisa said

    Post Marisa: de mulher pra mulher:) Tudo lindo.

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  4. guga, quem me dera…

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  5. beá, “tua mãe é uma pintura…” foi demais!!! beijo, querida!

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  6. zoca, post de canceriana, né? Essa coisa de falar de mãe e chorar… rs

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  7. Beta Pereira said

    e isso ainda canta lindamente…

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  8. Juju said

    Ama muito
    Enton tá..

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  9. oi, ju! ama munnnto, tb! pessoal, essa é a juju, a com menos de 30 da família! cada vez mais linda e inteligente!

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  10. Bruno said

    uma vez eu tava falando com um amigo aquela coisa meio pingos-de-sabedoria-budista de ‘essa vida é uma ponte e por isso não faz sentido construir casas sobre ela, ninguém construiria uma casa sobre uma ponte’ e ele me falou essa do escafandro e eu falei ‘pô mas alguns recebem escafandros bem mais bonitos que os outros’ brincando pq eu era bem mais bonito que ele,bem mais alto que eu, rebateu:mas alguns recebem escafandros bem menores que outros…
    mas, falando sério:

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  11. Bruno said

    eu tenho 49 anos,nasci em setembro/59,(tenho um amigo que é de março/60 e limpa a cara comigo dizendo que ele é da década de 60 e eu sou da década de 50) e há uns 2 ou três anos ‘realizei’ a minha idade,entrou na minha consciência e foi muito forte e estranho porque acho que até certo momento a gente como que sabe mas não sabe realmente, e de repente dá um estalo né,e eu me lembro nitidamente de mim mesmo olhando pra pessoas que tinham 30 anos e achando que elas eram velhas e de repente, não mais que,eu estou grisalho e cinquentão,e em alguns momentos parece que esse cara não sou eu…mas tô conseguindo digerir razoavelmte bem,so far not so bad…
    ahcei o que você falou e o como você muito maneiro.

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  12. é isso, bruno, exatamente isso: “de repente, não mais…”! BTW, quem é vc? vc já tinha vindo aqui? bjk

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  13. bruno said

    oi,pergunta difícil hein?
    ‘que sei eu do que serei eu que não sei o que sou/não sou nada não posso querer ser nada/a parte isso tenho em mim todos os sonhos do mundo’…
    uma vez li em algum lugar alguém citando bertrand russel dizendo algo como ‘pra definir a palavra cadeira eu teria que contar toda a história da humanidade’…quem sou eu é desse tipo,pode ser respondida super=facilmente, tipo:sou bruno,trabalho nisso ou naquilo,moro em tal lugar(rio/botafogo),ou super-dificilmente,impossivelmente…vc não concorda? sem cerca-lourenço,é verdadeiramte difícil.
    costumo ler o blog da marina.w,não costumo comentar,daí ela colocou teu link,cliquei e,com meu francês macarrônico,de ‘bonsoir mes eleves’ e ‘le livre est sur la tanle’,achei o nome avant derniere super bem sacado,instigante e engraçado e comecei a ler e adorei,e estava no trabalho e comentei esse que me tocou mais doretamente ainda que os outros…
    & what about you? quien eres tu?
    btw,feliz natal!

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  14. bruno said

    desculpe,’le livre est sur la table’.rs.

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  15. Hmm, nao ousaria perguntar tanto a um novo visitante. Queria saber como vc veio parar aqui. São tantos os meus comentaristas que conheço todos pelo nome… rs Sério, dificilmente entra alguém novo aqui, fico sempre curiosa quando acontece.

    Eu? Ah, eu sou a dona da casa, este é o meu terreiro 😉 Não posso contar mais detalhes aqui, tá todo mundo olhando!

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  16. bruno said

    ah,eu sei,mas adoraria receber uma carta.

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