com os sentidos aguçados por uma tarde no estúdio, gravando, entro num ônibus, no Jardim Botânico, e vou indo pra casa. tô sem dinheiro, numa prontidão sem fim, sem hora, sem compromisso. missão mais que cumprida. se eu pedir mais ainda da vida, acho que ela se zanga.
fecho os olhos. a medida boa da tensão. entra um moreno no ônibus, me olha. olho de volta. libido acesa: viva.
fecho os olhos, pensando em como tenho a sorte de estar onde estou e de ser quem eu sou, e me enjoo, fortemente, da minha forma de pensar. sempre tudo arredondado – como se fosse possível dar forma aos pensamentos -, e vou classificando, criticamente, minha forma de ver a vida: doce, macia, côncava, intra, yin. receptiva, feminina, toda potência e majestade. enjoada, sorrio de mim. quanta ilusão há nas imagens dos momentos, nesses instantâneos de felicidade. aproveito pra relaxar, pq sei que isso não dura: daqui a pouco estarei outra, mudando como mudam os ventos, as florações, as marés e essas coisas da natureza. na próxima volta do parafuso estarei dura, chata, puta, azeda, irônica, convexa, masculina, yang.
sigo pensando nas formas e chego no meu bairro, lindo, caótico, no primeiro dia dos próximos 4 anos de obras. reclamar? nem devo. o Rio de Janeiro está se redesenhando. penso na história das cidades, nos movimentos das massas e me repreendo: porra! de novo pensando redondo!?
duas amigas vêm à minha casa beber e falar.falamos todas ao mesmo tempo, como só as mulheres conseguem, escutamos tudo e morremos de rir. a noite nunca tem fim.
me falta agudizar as coisas, deixar as arestas cutucarem, estourar a luz. me falta coragem. logo eu, Andrea, cujo significado, dizem, é exatamente esse: coragem.
amanheceu.